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A PARTIR DE 03 DE JUNHO DE 2010

PESQUISAS

1 - A Cultura Corporal na Educação Física
2 - A Ginástica Geral na Educação Física Escolar e a Pedagogia Histórico Crítica
3 - Abordagens Metodológicas do Ensino da Educação Física
4 - Psicomotricidade


1 - A CULTURA CORPORAL NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Suas inter relações com a construção de conhecimentos: avanços e possibilidades

Resumo

O presente artigo pretende levantar alguns aspectos relacionados á "Cultura Corporal", suas inter relações com a construção de conhecimentos e verificar ás diferentes formas como o tema é tratado na escola, especialmente nas EMEFs do município de Piracicaba - SP. O texto reúne algumas experiências vivenciadas, observações diretas, bem como a troca de idéias com professores e os conhecimentos adquiridos no estudo da disciplina "Tendências da Educação Física escolar" ministrada pela profª Suraya Cristina Darido, UNESP - 2003, que analisados possibilitam apontar algumas questões que precisam ser aprofundadas.

Unitermos: Educação Física Escolar. Educação Básica. Ensino Fundamental.



Este texto é parte de um projeto de pesquisa, a ser apresentado ao Programa de Pós Graduação em Ciência da Motricidade - área de concentração - Pedagogia da motricidade Humana, do Instituto de Biocências UNESP - Rio Claro- SP. Para futuro desenvolvimento em nível de mestrado - 2003.

1. Introdução

Este estudo decorre de inquietações provenientes de observações diretas, das experiências vividas, das trocas de idéias com colegas professores e dos conhecimentos adquiridos em literaturas especializadas, bem como do estudo da disciplina "Tendências da Educação Física Escolar", ministrada pela profª Drª Suraya Cristina Darido, UNESP/2003, sobre a prática docente na Educação Física, na educação básica, onde se valorize as inter-relações - cultura corporal1 e construção de conhecimentos, nas EMEFs2 da rede municipal de ensino da cidade de Piracicaba - SP, com crianças na faixa etária entre sete a dez anos de idade, ou, com crianças matriculadas no ensino fundamental, considerando o processo político-educacional vigente.

Notamos que em algumas EMEFs, há entre os educadores3 uma lacuna referente à prática docente do componente curricular Educação Física, no que se refere a existência de uma dicotomia corpo e mente e suas implicações no ato didático pedagógico.

Referimo-nos á postura dos educadores que se limitam a trabalhar as atividades que envolvem a construção de conhecimentos unicamente no interior da sala de aula, secundarizando, desta forma a cultura corporal, seus conteúdos e concepções, demonstrando creditar todo o processo de construção de conhecimentos esta centrado somente na ação cognitiva.

Justificando que desta forma garantem a disciplina, harmonia e ordem. E que as manifestações de movimento atrapalham a construção de conhecimentos, pressupondo que impedem a concentração, tendo o ato motor como indisciplina ou desordem.

"Sem viver concretamente, corporalmente, as relações espaciais e temporais de que a cultura infantil é repleta, fica difícil falar em educação concreta, em conhecimento significativo, em formação para a autonomia, em democracia e assim por diante" (Freire, 1989, p.14).

Observamos algum interesse das gestoras das EMEFs, em atender as determinações contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei nº 9394/96) que estabelece a Educação Física na educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral do educando. Às orientações sugeridas nos Parâmetros Curriculares Nacional, e Pareceres referentes ao mesmo, onde o educando é visto como um ser completo. E também as diretrizes indicadas na I Conferência Municipal de Educação (2001).

Considerando este contexto e diante da transparência da ineficácia nos atos e ações pedagógicas no que tange à prática da Educação Física em EMEFs, muitas vezes, frustrante tanto para o educador, quanto para o educando, percebemos a necessidade de questionarmos tais ações e posturas, dada a importância dos movimentos em todas as fases da vida do ser humano e, sobretudo das crianças.

Apesar destas questões que consideramos de suma importância, nosso propósito neste texto é analisar, sem conquanto avaliar os padrões existentes nas instituições e possivelmente apontarmos possibilidades e avanços, desenvolvendo um trabalho um trabalho que busca verificar como a cultura corporal pode subsidiar outras possibilidades de ensino na construção do conhecimento da criança, visando principalmente a superação da dicotomia corpo e mente.

Pretendemos articular a temática "Cultura Corporal" à pedagogia, em especial á educação básica e à Educação Física, abarcando aspectos que dizem respeito aos adultos que atuam com crianças nos faixas etárias entre sete a dez anos ou matriculadas no ensino fundamental em três EMEFs da cidade de Piracicaba - SP.



2. Fundamentação teórica

Nos dias atuais a Educação Física no ensino escolar, deve estar integrada ao projeto político e pedagógico da escola. Ao longo da história têm sido atribuído a Educação Física, incumbências diferenciadas que a caracterizaram/caracterizam como componente curricular responsável pela educação do corpo.

A expressão, "componente curricular" é sinônimo de matéria escolar, matéria de ensino e identifica os conteúdos do currículo. O termo currículo, num sentido mais corrente designa o conjunto daquilo que se ensina e daquilo que se aprende; tendo como referencia alguma ordem de progressão, podendo inferir-se para além do escrito ou prescrito oficialmente, ou seja, o que é efetivamente ensinado e aprendido no interior da sala de aula, ou fora dela, enfim, currículo num sentido geral e abstrato é a dimensão cognitiva e cultural do ensino, qual seja, seus conteúdos, saberes, competências, símbolos e valores. (Forquin, 1996).

Assim, currículo amplia o significado de organização disciplinar, do sentido de regras de conduta, para o sentido de organização disciplinar como: objetivos, partes e matérias do ensino.

Diante do exposto, pode se dizer que um componente curricular é, no sentido de matérias de ensino, não apenas um constituinte do rol de disciplinas escolares, mas, um elemento da organização curricular da instituição.

Em sua especificidade de conteúdos, traz uma seleção de conhecimentos que, organizados e sistematizados, devem proporcionar ao discente uma reflexão acerca de uma dimensão de cultura e que aliado a outros elementos dessa organização curricular, visam a contribuir com a formação cultural do aluno.

Para compreender as principais influências que marcaram e caracterizaram a Educação Física, é necessário considerar suas origens no contexto histórico, especialmente no cenário brasileiro, ao qual, daremos ênfase.

No século XIX a Educação Física esteve estreitamente vinculada ás instituições militares e médicas. A história de Educação Física em muitos momentos se confunde com as dos militares. Dois anos após a chegada da família real no Brasil, foi criada a Escola Militar pela Carta Régia de 04 de dezembro de 1810 com o nome de Academia Real Militar; a ginástica alemã é introduzida na escola militar em 1860; a escola de Educação Física da Força Policial do Estado de São Paulo foi fundada pela missão militar francesa em 1907 e o Centro Militar de Educação Física foi criado em 1922, com o objetivo de dirigir, coordenar e difundir o novo método de Educação Física e suas aplicações, ficando evidenciada a presença militar na formação dos primeiros professores civis de Educação Física.

A Educação Física neste século foi entendida:

"Como um elemento de extrema importância para o forjar daquele indivíduo"forte", "saudável", indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do país que, saindo de sua condição de colônia portuguesa,(...) buscava construir seu próprio modo de vida". (Castellani, 1991, p. 39).

Nessa compreensão juntavam-se os médicos, que tinham a tarefa de passar à sociedade algumas das leis morais essenciais à família, os padrões de conduta física, moral e intelectual da nova família brasileira.

A concepção denominada Educação Física Higienista era uma concepção particularmente forte nos anos finais do Império e no período da Primeira República (1889 - 1930), que se preocupava em instituir a Educação Física como agente de saneamento público, agindo como protagonista num projeto de assepsia social, tendo um papel fundamental na formação de homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação.

Para tal concepção a ginástica, o desporto, os jogos recreativos, etc., deveriam disciplinar os hábitos das pessoas no sentido de levá-las a se afastarem de práticas capazes de provocar a deterioração da saúde e da moral, o que comprometeria a vida coletiva. Assim, a perspectiva da Educação Física Higienista vislumbrou a possibilidade e a necessidade de resolver o problema da saúde pública pela educação.

"O envolvimento dos higienistas com a educação escolar se deu, portanto, dentro de compreensão desta como sendo uma extensão da educação familiar. Tratava-se, na verdade, de mostrar que a nefasta ação dos pais na educação de seus filhos, não se encerrava no ambiente familiar" (Castellani, 1991, p. 45).

O liberalismo do início do século XX em nosso país acreditou na educação, na Educação Física e particularmente na escola, como redentora da humanidade. Sobre os ombros da educação e da escola foram depositadas as esperanças das elites intelectuais na construção de uma sociedade democrática e livre dos problemas sociais. Os liberais não titubeavam em jogar às costas da ignorância popular a culpa pelos problemas sociais que, em verdade, se originavam da perversidade do sistema capitalista.

A função de assegurar a saúde e o vigor dos corpos, aumentando a reprodução e longevidade dos indivíduos, incrementar a população do país e melhorar os costumes privados e a moral pública, observa-se uma tentativa simplista de resolver os problemas da saúde pública na escola através da Educação Física.

Vários pontos defendidos pelo pensamento liberal em relação à Educação Física, e que culminaram naquilo que estamos designando de Educação Física Higienista, estão vivos, ainda hoje, permeando os discursos de autoridades governamentais, de pedagogos, de médicos e professores de Educação Física.

A Educação Física Higienista, preocupada com a saúde, perdeu terreno para a Educação Física Militarista (1930 - 1945), que derruba o próprio conceito de saúde, para vinculá-lo agora a saúde da Pátria.

Esta concepção visava impor a toda sociedade padrões de comportamento estereotipados, frutos da conduta disciplinar própria ao regime de quartel, cujo objetivo fundamental era a obtenção de uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra, enfim, a formação de um cidadão-soldado capaz de obedecer cegamente e de servir de exemplo para o restante da juventude pela sua bravura e coragem. É nessa construção do novo homem que podemos entender a Educação Física como uma disciplina necessária.

"A Educação Física será a própria expressão física da sociedade capitalista. Ela encarna e expressa os gestos automatizados disciplinados e se faz protagonista de um corpo"saudável", torna-se receita e remédio para curar os homens de sua letargia, indolência, preguiça, imoralidade e, desse modo para integrar o discurso médico, pedagógico...familiar". (Soares, 1994, p. 10).

Fica ressaltado o valor e a função que a força física passa a ter no mundo industrial, pois ela poderia ser transformada em força de trabalho e vendida como mais uma mercadoria; era o único valor de troca que o trabalhador dispunha. Assim, os exercícios físicos passaram a serem entendidos como receita e remédio para os operários, julgando-se que, através deles seria possível adquirir corpos saudáveis, ágeis e disciplinados, exigido pela sociedade capitalista da época.

Assim, a Educação Física deveria ser suficientemente rígida para elevar os cidadãos da nação à condição de servidores e defensores da Pátria. O seu papel seria de colaboração no processo de seleção natural, eliminando os fracos e premiando os fortes, no sentido da depuração da raça.

A influência militarista na Educação Física brasileira é um componente forte e duradouro. Em 1921, através de decreto, impôs-se ao país como método de Educação Física oficial, o famoso "Regulamento nº 07", ou "Método do Exército Francês". Em 1931, quando do início da vigência da legislação que colocou como disciplina obrigatória nos cursos secundários, o "Método Francês" foi estendido à rede escolar. A Escola de Educação Física do Exército, fundada em 1933, funcionou praticamente como pólo aglutinador e coordenador do pensamento sobre a Educação Física brasileira durante as duas décadas seguintes. Somente na elaboração da Constituição de 1937 é que se fez a primeira referência explícita à Educação Física, incluindo-a no currículo como prática educativa obrigatória em todas as escolas brasileiras.

"Art. 131 - A Educação Física, o ensino cívico e trabalhos manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça essa exigência" (Brasil).

A idéia central da concepção era o aperfeiçoamento da raça, seguindo assim as determinações impostas pelas falsas conclusões defendidas pela biologia nazifascista. A ordem e a disciplina dos militares tornaram-se marcantes na ginástica, sendo eles próprios os professores nas escolas, ou melhor, instrutores nas escolas, onde os alunos eram adestrados de acordo com os modelos apresentados por seus instrutores.

Derrotado o nazifacismo após 1945, a Educação Física Militarista foi obrigada a se reciclar. Isto não significa, de maneira alguma, que a prática da Educação Física, após esta derrota, tenha se livrado dos parâmetros impostos pela Educação Física Militarista.

A concepção Pedagogicista (1945 - 1964), é a concepção que vai reclamar da sociedade a necessidade de encarar a Educação Física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou disciplinar a juventude, mas de ser uma prática eminentemente educativa. A ginástica, a dança, o desporto, etc, são meios de educação dos discentes. São instrumentos capazes de levar a juventude a aceitar as regras de convívio democrático e de preparar as novas gerações para o altruísmo, o culto a riquezas nacionais, etc. o sentimento corporativista de valorização do profissional da Educação Física permeia a concepção. Assim, é possível forjar um sistema nacional de Educação Física, capaz de promover a Educação Física do homem brasileiro, respeitando suas peculiaridades culturais, físico-morfológicas e psicológicas.

Do final do Estado Novo até a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um grande debate sobre o sistema de ensino brasileiro. A Lei 4024/61 estabeleceu a obrigatoriedade da Educação Física para o ensino primário e médio. Gradativamente o esporte ocupa mais espaço nas aulas de Educação Física com a introdução do Método Desportivo Generalizado, contrapondo aos antigos métodos de ginástica tradicional.

As fortes influências da tendência tecnicista, sofridas na educação aparecem na Lei n. 5.540, em 1968 para o ensino superior e na Lei 5.692, em 1971 para o ensino de 1º e 2º graus, onde a Educação Física torna-se obrigatória em todos graus de ensino, teve seu caráter instrumental voltado ao desempenho técnico e físico do aluno.

No âmbito escolar, a partir do Decreto n. 69.450 de 1971, considera-se a Educação Física como a atividade que por seus meios, processos e técnicas desenvolvem e aprimoram forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando. A falta de especificidade do decreto manteve a ênfase na aptidão física. A iniciação esportiva, a partir da quinta série, torna-se um dos eixos fundamentais de ensino em busca de novos talentos, para participar de competições internacionais representando a pátria. O efeito desse modelo não deu certo.

O descontentamento cada vez maior da sociedade brasileira com o autoritarismo presente ao longo dos governos militares no final dos anos 70 passou a clamar pela abertura política - a redemocratização.

Na Educação Física nacional, questionamentos e contestações das práticas e das políticas da época são travados. A produção literária na área passa a ser intensa e versa principalmente sobre as concepções que historicamente vinham formatando e orientando as suas práticas.

Aos problemas que emergiam na Educação Física escolar neste período o Estado responderia com uma nova legislação em 1971.

O contexto político se transformou, tivemos a Constituição de 1964 e o regime político passou a ser a ditadura militar, dando origem às novas leis. No âmbito educacional a Lei nº 5692/71 transforma os níveis em ensino primário e secundário, (ginásio e médio) em ensino de 1º e 2º graus, sendo este último profissionalizante, e a Lei nº 5540/68 que regulamentou o ensino superior.

Na Lei nº 5692/71, a Educação Física torna-se obrigatória em todos os graus de ensino, e teve seu caráter instrumental voltado ao desempenho técnico e físico do aluno. A partir do decreto nº 6450 de 1971, a Educação Física é regulamentada como componente curricular do ensino de 1º e 2º graus, hoje ensino Fundamental e Médio.

A Resolução SE nº 8, mais uma vez enfatiza a necessidade de constar a Educação Física no currículo escolar ao observar que ela "se constitui em componente curricular obrigatório em todas as séries do ensino de 1º e 2º graus, nos termos do Decreto Federal nº 6450/71". (São Paulo, 1985: 493). A Educação Física entendida, como componente curricular obrigatório, terá o planejamento de suas atividades subordinado á escola, de modo que contemple seu plano geral de trabalho e com ele se harmonize.

Na área escolar, a legislação educacional indica que a Educação Física como componente curricular obrigatório, será tratada como "atividade", no ensino de 1º e 2º graus, "disciplina", quando se constituir em componente do Ensino Profissionalizante de Habilitação Específica de 2º grau para Magistério, compondo assim o Currículo Pleno da Escola para esta habilitação.

Então, em termos de concepção de ensino, o Decreto nº 69.450/71 aponta a Educação Física para o campo da "Atividade", compreendendo-a como "esporte e recreação" no currículo escolar, como podemos ver no artigo 1º e 2º do mesmo.

"Artigo 1º - A educação física, atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional.

Artigo 2º - A educação física desportiva e recreativa integrará, como atividade escolar regular, o currículo dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino" (São Paulo, 1985, p. 117).

Na década de 80 a Educação Física Escolar, voltada principalmente para a escolaridade de quinta a oitava séries do primeiro grau, passa a priorizar o segmento da primeira a quarta e também a pré-escola. Tira-se a função da Educação Física de promover os esportes de alto rendimento e o enfoque passa a ser o desenvolvimento psicomotor.

Passa-se a discutir as relações entre educação Física e sociedade sob a influencia das teorias críticas da educação, sobre o seu papel e sua dimensão política. Há uma mudança de enfoque, amplia-se á visão da área biológica, enfatizando as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas e afetivas, concebendo o aluno como um ser humano integral. Os objetivos da disciplina se embasam em objetivos educacionais mais amplos, o conteúdo torna-se diversificado e os pressupostos pedagógicos mais humanos, opondo-se á visão comportamentalista expressa no ensino esportivo. Nessa época, vários outros autores ganharam destaque com suas produções de cunho filosófico, sociológico, histórico, antropológico e pedagógico.

Atualmente, com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), a Lei nº 9394/96, a obrigatoriedade do ensino da Educação Física é de responsabilidade dos Conselhos Nacional e Estaduais de Educação, dos sistemas de ensino, bem como das próprias escolas.

"Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigidas pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

3º A educação física, integrada á proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos". (São Paulo, 1998, p. 11-12).

Souza e Vago (1997) comentam sobre o ensino de Educação Física em face á LDB e acentuam que é importante registrar que essa obrigatoriedade esta também explicitada no Parecer nº 376/97, de 11/06/97, do Conselho Nacional de Educação, que reafirma o parágrafo terceiro do artigo 26 da LDB, enfatizando que a Educação Física é, sim, componente curricular da educação básica, cuja oferta deverá estar integrada á proposta pedagógica da escola. Também o Parecer nº 5/97, de 07/05/97, Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, garante que os componentes curriculares que integrarão a base comum nacional somam-se á Educação Física, nos termos da Lei.

O Ministério da Educação e do Desporto, através da Secretaria da Educação Fundamental (MEC/SEF), mobilizou a partir de 1994 um grupo de professores pesquisadores no sentido de elaborar os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Em 1997, foram lançados os documentos referentes aos 1º e 2º ciclos (primeira á quarta séries) do Ensino Fundamental e no ano de 1998 os relativos aos 3º e 4º ciclos (quinta á oitava séries), incluindo um documento específico para a área de Educação Física. De acordo com o grupo que organizou os Parâmetros Curriculares Nacionais, esses documentos têm como função primordial subsidiar a elaboração ou versão curricular dos estados e municípios, dialogando com suas propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna às escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores. Ou seja, um referencial para todo o país, que procura respeitar as diversidades regionais, culturais, políticas, permitindo aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.

"Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física trazem uma proposta que procura democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área, buscando, ampliar, de uma visão apenas biológica, para um trabalho que incorpore as dimensões afetiva, cognitiva e sociocultural dos alunos. Incorpora, de forma organizada, as principais questões que o professor deve considerar no desenvolvimento do seu trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e avaliações da prática de Educação Física"(Brasil, 1998, p. 15).

Depois do breve retrospecto histórico realizado, buscando entender a inclusão da Educação Física como componente curricular, das orientações advindas das mudanças legais, passaremos a enfocar o desenvolvimento infantil sob os parâmetros teorizados por Vygotsky.

Ao falarmos de desenvolvimento, não podemos deixar de citar o autor principal, em nossa opinião, Lev Semenovich Vygotsky, nasceu em Orsha, na Bielo-Rússia, em 1896 e faleceu prematuramente aos 34 anos de idade. Foi um dos teóricos que buscou uma alternativa na linha do materialismo dialético para o conflito entre as concepções idealista e mecanicista da psicologia, construiu propostas teóricas sobre temas relacionados ao pensamento e linguagem e processo de desenvolvimento da criança.

Vygotsky uniu diversos postulados de sua teoria histórico-cultural, com a perspectiva interacionista, dando enfoque na organização social do ambiente do discente em desenvolvimento, na própria teoria do desenvolvimento, combinou o papel ativo da criança - o ator no ambiente - com o domínio das atividades semióticas (construção e uso de signos). Derivou de sua perspectiva histórico social e do fato de suas teorias educacionais terem sido aceleradas por sua aceitação da "forma ideal" que estava presente a sua volta, enquanto o conceito do ambiente baseado em classes foi rejeitado.

A relação entre o desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, foi retomada por Vygotsky nos anos finais de sua vida, sendo que o desenvolvimento infantil foi um de seus grandes interesses. Portanto, a questão central do pensamento de Vygostky, que enfocaremos, é a relação entre os processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Essa relação se dá através de processos interligados, imersos em um contexto cultural que oferece os aparatos necessários ao funcionamento psicológico que são movidos por mecanismos de aprendizagem, ocasionados externamente. Esses processos ocorrem constantemente na relação do indivíduo com o meio.

Para o autor o desenvolvimento infantil é visto a partir de três aspectos: instrumental, cultural e histórico.

O primeiro se refere à natureza mediadora das funções psicológicas superiores, que não apenas respondem aos estímulos oferecidos pelo ambiente, mas os altera usando essas alterações como instrumentos para modificação de comportamento.

O aspecto cultural da teoria envolve os meios socialmente organizados para os diferentes tipos de tarefas que a criança em desenvolvimento enfrenta, sendo considerados neste, instrumentos mentais e físicos de que a criança pequena dispõe para dominar aquelas tarefas.

O elemento histórico funde-se com o cultural, pois os instrumentos foram criados e modificados ao longo da história da civilização. Os instrumentos culturais aumentaram as facilidades do ser humano e estruturaram seus pensamentos, de modo que se não tivéssemos a linguagem escrita e a aritmética, talvez não possuíssemos a organização dos processos superiores tal como é hoje.

Assim, para Vygotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do ser humano caminham juntos e, estão inter relacionados, que não é possível separá-los. Foi com essa perspectiva que Vygotsky estudou o desenvolvimento infantil.

Das constantes interações constantes entre crianças e adultos, procuram ativamente incorporá-las em suas relações e em sua cultura. No inicio, as respostas são dominadas por processos naturais, especialmente aqueles da herança biológica. Ë através da mediação do adulto que os processos psicológicos mais complexos tomam forma, gerando uma interiorização dos meios de operacionalização das informações, meios historicamente determinados e culturalmente organizados.

No estudo feito por Vygotsky, sobre o desenvolvimento da fala, fica bem claro que inicialmente os aspectos motores e verbais do comportamento estão misturados. A fala envolve os elementos referenciais, a conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de fala social. A fala começa a adquirir traços demonstrativos, indicando o que esta fazendo e de que esta precisando, faz distinções para outros com o auxílio da fala e começa a fazer distinções para si própria, assim vai adquirindo função de auto-direção.

O desenvolvimento é baseado sobre o plano das interações. Todos os movimentos e expressões das crianças são importantes para o adulto, que os interpreta e os devolve com ação e ou com fala.

Para Vygotsky, as funções psicológicas emergem e se consolidam no plano da ação entre pessoas e tornam se internalizadas, transformando-se para construir o funcionamento interno, considerando, portanto, as relações sociais como construtivas das funções psicológicas.

O desenvolvimento cognitivo foi compreendido como uma conseqüência do conteúdo a ser apropriado pela criança e das relações que ocorrem ao longo do processo de educação e ensino. As preocupações com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, com as questões do desenvolvimento e da aprendizagem, da criatividade, do brinquedo, da relação entre o pensamento e linguagem, da aquisição da linguagem escrita e da educação de crianças excepcionais, foram focos de atenção do autor durante sua vida e desenvolvidos através de experiências com situações reais.

Para Vygotsky, as possibilidades de aprendizagem não se encontram na dependência do nível de desenvolvimento mental alcançado pelas crianças. Via o desenvolvimento mental das crianças retrospectivamente, desenvolvimento real, processos já amadurecidos e prospectivamente, processos que ainda estavam em formação. Elaborou o conceito de zona de desenvolvimento proximal que é definida como:

"a distancia entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através de soluções independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de soluções de problemas sob a orientação de adultos ou em colaboração com companheiros mais capazes".

Passaremos a discutir a investigação da pratica pedagógica dos professores envolvidos no contexto de EMEFs, suas posturas frente ao componente curricular.



2.1. A pratica pedagógica

Pra que possamos efetuar a verificação pretendida, talvez um passo necessário seja considerarmos que as interações entre crianças e adultos acontecem por intermédio dos seus corpos que estão imersos em um determinado contexto. Esse contexto determina modos de ser, agir... Olhares, gestos, expressões, falas, representações, são manifestações que são comunicadas e compreendidas por intermédio de códigos e ou signos.

Questões decorrentes desse contexto tornam difíceis as respostas á questão principal deste artigo e algumas hipóteses podem ser consideradas como a de que a cultura do adulto, professor leva-os a um "esquecimento" do tempo da infância.

O professor exerce sua função na escola, sendo um elemento importante de ligação entre os contextos interno e externo - a escola e a sociedade - o conhecimento e o discente. Não devemos desconsiderar que o professor é fruto de um determinado contexto histórico e social.

Vários estudos abordam a formação acadêmica dos professores, dentre eles gostaríamos de destacar o trabalho de Darido (1999) que constata que nem sempre os conhecimentos adquiridos quando da formação são utilizados durante a prática pedagógica. Embora o trabalho verse especificamente sobre a área de educação física, e considerando a dimensão desta verificação, diríamos que certamente há em outras áreas o mesmo tipo de ocorrência.

Contudo para a concretização deste estudo olharemos para as posturas que marcam a pratica pedagógica dos professores das EMEFs diante da Educação Física Escolar.

A escuta das profissionais que atuam nas EMEFs demonstrou "faltas"decorrentes de seu processo de formação que se evidenciam numa certa "incapacidade" de perceberem como conteúdos os componentes da Educação Física como as brincadeiras, o jogo e o próprio movimento corporal das crianças e analisá-los para além do aspecto funcional de contribuição para a melhoria cognitiva.

Em observações, pudemos constatar quanto às professoras, que as mesmas mantém atitudes formais com relação aos discentes, as aulas são caracterizadas pelo cumprimento rigoroso, mecânico e ritmado dos exercícios, isso posto em duas das EMEFs verificadas, pois em uma terceira se constata a ausência total da disciplina Educação Física Escolar, sendo seu horário utilizado para consecução de "tarefa de casa" ou "aula de reforço escolar". Alem disso na educação física dessas EMEFs, há a ausência de ludicidade e prazer, sendo as relações impessoais e distanciadas.

Em conversas informais com as docentes foi solicitada a colaboração de profissionais qualificados4 e que as mesmas apontam como principal dificuldade à falta de conhecimento na área dentro da faixa etária trabalhada, também de uma definição pedagógica por parte da Secretaria Municipal de Educação, assim como própria escola.

Constatamos que nas EMEFs há uma certa quantidade de matérias de apoio (técnicos), porém não há materiais teóricos, já que uma das dificuldades das professoras é a falta de conhecimento também no aspecto teórico. Por parte da Secretaria Municipal de Educação, não existe até a presente data e nunca houve um acompanhamento da Educação Física escolar, o oferecimento de suporte pedagógico ou uma supervisão que possa contribuir para a operacionalização da Educação Física nas EMEFs.

De nossa observação feita com os discentes, pudemos notar que quando brincam, eles o fazem para satisfazer uma necessidade básica que é viver a brincadeira. No entanto, a insistência de que a brincadeira precisa ter um caráter "pedagógico", limita as possibilidades e impede a recriação de expressões.



2.2. Algumas considerações

Diante desse recorte apontamos como possibilidade imediata propostas que visem instrumentalizar as professoras para criar condições para efetivação da Educação Fisica, buscando o desenvolvimento integral do discente, também via cultura corporal, rompendo com a dicotomia corpo e mente, de acordo com a realidade de cada EMEF, embasando na concepção de que a Educação Física também é um componente curricular e como tal deve ser tratada, considerando o discente como parte integrante do processo, como participante efetivo do mesmo e levando em consideração o meio social no qual se insere, e ainda apresentar algumas contribuições para uma discussão para uma proposta de educação básica, plenamente inserida no projeto político pedagógico e no contexto real escolar, inter-relacionando todas as disciplinas.

Entendemos que qualquer proposta, trás como pano de fundo, um processo político social, ou seja, somente o resultado de determinadas decisões de caráter político, possa conduzir a uma revisão dos programas e planejamentos, é possível, no entanto, apontarmos em que contexto a articulação do ensino fundamental esta contemplando a Educação Física nas EMEFs do município de Piracicaba -SP.















Referências

• BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais, Educação Física: MEC. 1998.

• BRASIL, LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.

• BRASIL, Proposta Curricular de Educação Física para o ensino de 1º grau. São Paulo: Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, 1991.

• I Conferência Municipal de Educação, Lei Municipal nº 4.600/98, parte integrante do Sistema Municipal de Ensino, 2001.

• CASTELANI, Fº, Lino. Educação Física no Brasil: A História que não se conta. Campinas: Papirus, 1991.

• COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

• DARIDO, S. C. Educação Física na Escola: questões e reflexões. Araras: Topázio, 1999.

• FREIRE, J. B. Educação de Corpo Inteiro: teoria e prática da educação fisica. São Paulo: Scipione, 1989.

• FREITAS, M. T. de A. Vygotsky e Bakhtin.Psicologia e Educação, Um Intertexto. São Paulo: Ätica, 1995.

• LUDKE, M. e ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1989.

• OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky, Aprendizado e Desenvolvimento, Um Processo Sócio-Histórico. São Paulo: Scipione, 1995.

• PICCOLO, V. L. N. (org) Educação Física Escolar: Ser... ou não Ter? 2ª ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993.

• SOARES, C. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994.



POR ROGERIO ALVES GODOY



2 - A GINÁSTICA GERAL NA EDUCAÇÃO FÍSICA
escolar e a pedagogia histórico-crítica


Resumo

Esse estudo, de caráter descritivo, objetivou analisar como a ginástica geral pode ser desenvolvida na educação física escolar a partir da pedagogia histórico crítica. Por meio da aplicação de aulas de ginástica geral para alunos do ensino fundamental de uma instituição pública do município de Maringá-Paraná-Brasil, apresentamos encaminhamentos metodológicos para o trato com esse conhecimento. A presente pesquisa constituiu-se de quatro etapas: estudo de abordagens metodológicas; localização de como a ginástica geral poderia ser trabalhada a partir da abordagem escolhida; elaboração e aplicação de 12 aulas de ginástica geral com base pedagogia histórico-crítica para alunos de primeira série; e, interpretação das experiências de ensino com a ginástica geral na educação física escolar. Encontramos algumas dificuldades na ação docente com essa abordagem, sobretudo pela falta de experiência dos alunos com uma prática pedagógica que privilegie a reflexão crítica. Entretanto, o estudo indica a viabilidade da ginástica geral como conhecimento da educação física escolar e aponta a necessidade de entender sua dimensão educacional.



Unitermos: Ginástica. Educação Física escolar. Pedagogia histórico-crítica.



Introdução

Nos últimos vinte anos a comunidade acadêmica brasileira tem se debruçado no sentido de repensar a área e de produzir referenciais teóricos que contribuam para que avanços aconteçam, sobretudo relacionados ao trato metodológico com os conhecimentos da cultura de movimento, a partir de referenciais críticos. Na atualidade, os professores demonstram preocupação em conhecer novas possibilidades de atuação, rumo a uma prática progressista, comprometida com paradigmas que se diferem dos médico-biológicos, e que tem suporte teórico nas ciências humanas e sociais.

Dentre os estudos desenvolvidos na área, podemos citar, dentre outros, os de Freire (1989), Grupo de Trabalho Pedagógico (1991), Betti (1991), Soares et al. (1992), Kunz (1994), que originaram abordagens metodológicas em educação física. Soares et al. (1992) apresentam a metodologia crítico-superadora que tem como ponto de partida a concepção histórico-crítica. Esta é idealizada por um grupo conhecido na área da educação física como Coletivo de Autores (Valter Bracht, Celi Neuza Zülke Taffarel, Carmem Lúcia Soares, Lino Castellani Filho, Maria Elizabeth Varjal e Micheli Ortega Escobar) que tem como referencial teórico o materialismo histórico-dialético. Desta forma, além de estudarmos as metodologias da área da educação física sentimos necessidade de entender se existe a viabilidade de trabalho em nossa área com a pedagogia histórico-crítica, haja vista que uma das metodologias específicas da nossa área se embasa nesta, além de sua representatividade no setor educacional. Assim, embora a pedagogia histórico-crítica não seja específica da área da educação física apresenta-se como um importante embasamento teórico a ser analisado.

A educação física escolar abrange diversos saberes, dentre os quais encontramos a ginástica, que quando desenvolvida no âmbito escolar, pode permitir a experimentação de possibilidades corporais, promovendo a autonomia motora e a formação humana quando tratada por meio de uma prática educacional que leve o aluno a uma ação crítica e significativa para seu núcleo social. Sua presença na escola pode se dar por meio de diversas manifestações gímnicas, mas neste estudo escolhemos a ginástica geral porque a vemos como uma forma especial de educar. A escolha da ginástica geral como manifestação gímnica para as experiências de ensino aconteceu por acreditarmos na sua importância como conhecimento social e histórico. Segundo Ayoub (2003), rompe com a padronização de movimentos técnicos e sugere a (re)significação dos gestos. Além disso, alguns autores como Ayoub (2003), Barbosa (1999), Bertoline (2005) ressaltam que devido as suas características principais, a ginástica geral, apresenta-se como sendo a ideal para o trabalho com a ginástica na escola. Esta tem como características: o acolhimento dos gestos de diferentes ginásticas, da dança, do teatro, da capoeira, dos elementos circenses e de outros elementos da cultura corporal, com ou sem utilização de materiais. Pode se dar a partir dos saberes inscritos na cultura popular, nos saberes filosóficos, nos saberes artísticos e também nos saberes científicos. Além do mais, deve permitir a participação de todos e o respeito aos limites individuais e coletivos.

Nas aulas de educação física escolar, a escolha do caminho metodológico torna-se crucial para que manifestações gímnicas contribuam positivamente à formação do aluno, e para que não sejam tratadas apenas em sua dimensão técnico-instrumental. A opção por uma metodologia para o trato com a ginástica na escola deu-se a partir da necessidade de buscar caminhos para que a ginástica possa estar se desenvolvendo como um saber da educação física escolar. O objetivo foi analisar como a ginástica geral pode ser desenvolvida na educação física escolar a partir da pedagogia histórico crítica, visando possibilitar a apreensão de conhecimentos gímnicos historicamente produzidos.

Com base no exposto até então, lançamos a seguinte questão norteadora deste estudo: Qual seria a viabilidade do desenvolvimento da ginástica geral como conhecimento nas aulas curriculares de educação física, no ensino fundamental, a partir da pedagogia histórico-crítica? E, como objetivo: analisar, por meio de pesquisa em campo, como a ginástica geral pode ser desenvolvida na educação física escolar a partir da pedagogia histórico crítica.

O estudo realizado tem a pretensão de contribuir com outras investigações voltadas para o trato com as manifestações gímnicas na educação física escolar, possibilitando novas reflexões acerca desta problemática. Procuramos demonstrar que, apesar da complexidade de movimentos desta manifestação, em seu formato desportivizado, é possível trazê-la para as aulas, desde que de maneira estruturada e sempre amparada por referenciais teóricos. Esse é um dos caminhos para o profissional poder entender a diversidade cultural da ginástica, em especial da ginástica geral, bem como a grandiosidade de seu trato na escola. Portanto, entendemos a urgência de pesquisas que foquem o trato pedagógico com a ginástica como saber instituído na educação física escolar.



A ginástica geral e a pedagogia histórico crítica

A pedagogia histórico-crítica tem origem nos estudos de Dermeval Saviani, que procurou melhor delimitar a pedagogia dialética entre as pedagogias críticas. Inspirou-se em Marx, fazendo uso do materialismo-histórico e da compreensão dialética da realidade para propor uma pedagogia que avance para além das teorias da reprodução e possa contribuir no processo de transformação social.

Essa metodologia foi sistematizada/apresentada de forma a ser trabalhada pedagogicamente em aulas, por Gasparin (2002) e possui como suporte epistemológico a Teoria Dialética do Conhecimento que segundo o mesmo autor apresenta para a construção do conhecimento escolar três fases sendo elas: prática, teoria, prática. Assim, "o conhecimento resulta do trabalho humano no processo histórico de transformação do mundo e da sociedade, através da reflexão sobre esse processo" (GASPARIN, 2002: 4).

A pedagogia que deriva da dialética apresenta como primeiro passo identificar a prática social dos sujeitos. Nesse sentido, professor e alunos tomarão consciência sobre essa prática levando-os a buscar um conhecimento teórico acerca desta realidade para que assim possam obter uma reflexão sobre a sua prática cotidiana. O segundo passo consiste em teorizar sobre a prática social buscando um suporte teórico que desvele, explicite, descreva e explique essa realidade, possibilitando assim que se passe para além do senso comum, tendo uma única explicação da realidade e busque os conceitos científicos que permitirão a compreensão crítica da realidade em todas as suas dimensões. O terceiro passo consiste em retornar a prática para transformá-la, pois após utilizar-se de conceitos científicos no processo de teorização, o educando poderá adquirir em seu pensamento uma nova perspectiva da realidade, podendo ter uma posição diferenciada em relação a sua prática (GASPARIN, 2002: 6-8). O mesmo autor entende que

a metodologia dialética do conhecimento perpassa todo o trabalho docente-discente, estruturando e desenvolvendo o processo de construção do conhecimento escolar, tanto no que se refere a nova forma de o professor estudar e preparar os conteúdos e elaborar a executar seu projeto de ensino, como a respectivas ações dos alunos (p.5).

Aliando as três fases do método dialético com a teoria histórico-cultural proposta por Vygotsky têm-se como resultado, de acordo com Gasparin (2002), a representação e tradução para a prática docente e discente da pedagogia histórico-crítica, resultando assim em cinco fases, sendo elas: prática social inicial do conteúdo, problematização, instrumentalização, catarse e prática social final do conteúdo, que serão neste momento evidenciados um a um para que possamos entender como cada um deles deve ser traduzido para a prática escolar.

A prática social inicial do conteúdo de acordo com Saviani (1992) deve ser o ponto de partida do trabalho docente. Este passo consiste em tornar conhecido pelo aluno o conteúdo ou tema a ser estudado/trabalhado pelo professor, ou seja, estabelecer um contato inicial. Em seguida mantém-se um diálogo com os alunos sobre o tema a ser estudado, verificando e mostrando o quanto eles já conhecem sobre o assunto, podendo também evidenciar junto aos educandos que este tema abordado em sala de aula, já está presente na prática social, ou seja, em sua vida cotidiana.

A fase da problematização consiste na transição entre a prática e a teoria, apresentando como finalidade à seleção das principais questões abordadas na prática social, mas que tenham relações ao conteúdo a ser trabalhado, essa fase predispõe também o questionamento do conteúdo escolar relacionando-se com prática social, para que assim possam ser selecionados os problemas que necessitam ser resolvidos no cotidiano dos indivíduos. A partir disso parte-se para a fase da instrumentalização que é o momento em que o conteúdo sistematizado e produzido historicamente é levado ao conhecimento dos alunos, esclarecendo que os conteúdos propostos estão em função das respostas a serem dadas às questões da prática social. Assim, os educandos podem apropriar-se do conhecimento historicamente produzido e sistematizado podendo então, responder aos problemas levantados.

A partir do momento em que os alunos têm acesso a esse saber sistematizado, é chegado o momento em que se solicita do mesmo a participação e manifestação do que por eles foi assimilado, isto constitui o momento de Catarse, que demonstra a nova maneira do aluno de ver o conteúdo e a prática social, sendo ele capaz de entender as questões sociais levantadas no início e trabalhadas nas demais fases, percebendo que não apenas aprendeu um conteúdo, mas algo que tem um significado para a sua vida. Por fim, a prática social final no qual se dá pelo retorno a prática social, mas que agora se modificou por meio da aprendizagem, manifestando uma nova postura e visão do conteúdo estudado em seu cotidiano (GASPARIN, 2002). De acordo com o mesmo autor esses cinco passos devem estar presentes em cada aula, sendo de fundamental importância que os alunos vivam o processo prática-teoria-prática.

Segundo os pressupostos desta metodologia, os saberes e conhecimentos escolares, devem surgir de acordo com as necessidades encontradas na prática social dos educandos, para que futuramente, por meio do estudo dos conceitos científicos e saberes sistematizados, possam compreender, de maneira mais ampla a sociedade na qual estão inseridos, a fim de assumirem uma posição crítica e reflexiva em relação aos saberes escolares e no sentido de aplicá-los em sua prática cotidiana, levando-os a transformar a realidade social em que vivem.

No que diz respeito às teorias de desenvolvimento, Gasparin (2002) afirma que esta pedagogia tem suporte epistemológico na teoria histórico-cultural de Vygotsky. O autor apresenta que esta teoria enfatiza a importância da interação dos indivíduos entre si, como sujeitos sociais, e da relação destes com o todo social no processo de aquisição dos conhecimentos escolares. Nesse sentido, faz-se importante ressaltar como se desenvolve a apreensão dos conceitos científicos na idade escolar, que de acordo com o mesmo autor mostra-se como de grande interesse prático para professores no decorrer do ensino-aprendizagem de seus alunos. Assim, "um dos elementos fundamentais para encaminhar ações didático-pedagógicas coerentes é saber como se constrói o conhecimento na mente da criança" (GASPARIN, 2002: 58).

Em nossas inserções teóricas buscamos aproximações entre a teoria de desenvolvimento proposta por Vygotsky e as características fundamentais da ginástica geral, a fim de entender como esta manifestação gímnica poderia ser tratada a partir da pedagogia escolhida. Por meio dessas relações podemos destacar que a partir do momento que a criança passa a ter contado com a ginástica geral, que se apresenta como uma prática corporal diversificada em suas possibilidades de manifestações, ela pode modificar sua concepção histórica de vida por meio das mediações citadas por Vygotsky (1988), o meio externo colaborando para mudanças internas individuais. Para complementar Teixeira (1996 p. 72) afirma que as atividades coletivas poderão levar o aluno a refletir sobre sua própria ação (prática) e compará-las.

Assim, a ginástica geral pode apresentar-se como uma rica forma de expressão e manifestação corporal aliada a um trabalho desenvolvido e embasado em uma teoria pedagógica crítica e progressista, destacando a possibilidade de criação e participação efetiva do educando por meio da sua experiência de vida. Também poderá contribuir significativamente para o desenvolvimento do aluno, pois partindo do que a criança já sabe sobre este tema, poderá propor novos conhecimentos e desafios, ou seja, sair da zona de desenvolvimento real e incidir na zona de desenvolvimento potencial dos educandos.

Nesse sentido, à medida que a prática da ginástica geral levar os alunos a construírem um espaço em que todos possam participar e vivenciar o universo de conhecimento da ginástica possibilitará uma integração dos mesmos não só com os participantes, mas também com o todo social em que cada um está inserido, pois cada pessoa traz consigo uma experiência diferenciada, levando-os a entrarem em contato com realidades sociais diferenciadas o que contribuirá para o seu desenvolvimento. Essas experiências individuais podem ser socializadas numa aula de ginástica geral por meio da fala, que se apresenta como meio auxiliar no processo de desenvolvimento infantil, assim, a prática da GG possibilita a troca de experiências individuais colaborando para o desenvolvimento da aula e da produção do conhecimento.

A utilização dos materiais tradicionais e não tradicionais, a partir do momento que são utilizados numa aula de GG podem estar servindo de meios auxiliares, estimulando a brincadeira das crianças, nesse sentido, também pode favorecer no desenvolvimento, pois, a partir do que ela já conhece sobre determinado material, podemos propor novos conhecimentos, para que ela possa partir para a zona de desenvolvimento potencial por meio da brincadeira. Para complementar, a criança ao aproximar-se de conhecimentos relacionados à ginástica geral, e considerando o que ela já conhece sobre esta manifestação por meio da sua história de vida, e que compartilhados com o outro no seu ambiente cultural, no caso a escola, institui intervenções com o meio externo, possibilitando mudanças internas na sua história de vida.



Experiências de ensino com a ginástica geral

Após o estudo das metodologias de ensino, a pesquisa em questão volta-se para o trato da ginástica geral na educação física escolar, atentando para as possibilidades de trabalho com este saber a partir de referenciais de abordagem histórico-crítica proposta por Gasparin (2005) e adaptada a Educação Física. Por meio desta abordagem, creditamos que podemos desenvolver um trabalho diferenciado com a ginástica abordando este tema de forma que não se evidencie a modalidade somente em seus moldes competitivos e institucionalizados, podendo levar os alunos a entrar em contato com o conhecimento a partir de suas vivências cotidianas e de sua realidade social, estando diretamente ligado com o processo de construção dos saberes.

As experiências com a ginástica foram desenvolvidas em uma escola da rede pública/estadual na cidade de Maringá-PR-Brasil, no ano de 2006. Doze aulas de ginástica geral (organizadas de forma geminadas), trabalhadas sob a ótica da pedagogia histórico-crítica, foram aplicadas para uma turma de 1ª série do ensino fundamental, conforme espaço cedido no horário regular da educação física pela direção da instituição. Essas aulas, mesmo em número de oito, atenderam ao objetivo proposto para a pesquisa, levando em consideração a realidade da educação física brasileira que, em sua maioria, possui 68h anuais a serem distribuídas entre os conhecimentos da área. Os momentos de intervenção foram registrados a partir de um diário de anotações elaborado ao final de cada aula, destacando os pontos principais ocorridos durante a mesma, bem como as reflexões a respeito dos conhecimentos e métodos tratados na aula, buscando identificar dificuldades e possibilidades na relação com a ginástica geral, bem como seu envolvimento com esse conhecimento gímnico. As observações voltaram-se para experiências gímnicas na pedagogia histórico-crítica e para "comentários" realizados pelos alunos durante as aulas, sobretudo aqueles que retratassem a realidade acerca do conhecimento que tinham sobre ginástica e formas de realizá-la. Os depoimentos extraídos dos relatórios foram aqueles que se relacionam diretamente ao entendimento de ginástica e às experiências obtidas durante os encontros. O quadro 1 apresenta os conteúdos trabalhados e os objetivos dados às aulas.



O primeiro encontro (1ª e 2ª aulas) teve como tema _ Ginástica Geral: características gerais. Durante o processo inicial da aula foram utilizadas questões norteadoras para levar os alunos a refletirem sobre o que já conheciam a respeito da ginástica, para que se pudesse então, identificar a vivência cotidiana dos alunos, pois segundo Gasparin (2002 p. 25) neste momento os alunos "são desafiados a mostrar todo o conhecimento que possuem sobre os itens em questão, fazendo um levantamento sobre a vivência prática, cotidiana dos educandos com relação ao conteúdo a ser ministrado". Por meio delas, foi percebido que no geral a respostas dos alunos dizem respeito às modalidades esportivas já institucionalizadas como a ginástica artística e ginástica rítmica e também que ginástica é qualquer tipo de atividade física, como fazer esportes, alongamento, corrida entre outros. Com relação à ginástica geral foi unânime a resposta de que nunca tinham ouvido falar e nem sabiam o que era.

Após a reflexão realizada, passou-se ao momento de instrumentalização, que se deu por meio da apresentação de vídeos e figuras destacando as características principais da ginástica geral. Nesse momento pode-se observar que os alunos se mostraram interessados pelo assunto, puderam demonstrar e vivenciar o que já conheciam sobre a ginástica geral confrontando suas vivências cotidianas com conhecimentos já produzidos e sistematizados historicamente. Nesse sentido, os conhecimentos individuais foram socializados por toda a turma.

O momento de catarse se deu por meio de discussões e reflexões estabelecidas no qual se percebeu que uma boa parcela dos alunos conseguiu fazer uma relação dos conteúdos abordados com o seu cotidiano, pois demonstraram o que já sabiam fazer de ginástica durante a aula, como relatado: "eu não sabia que cambalhota era ginástica geral"; "eu já sabia fazer estrelinha, mas não sabia que era ginástica geral". O momento da prática social final ocorreu por meio de frases e desenhos que os alunos fizeram sobre o que acharam mais interessante, sobretudo o que vivenciaram neste primeiro encontro.

O segundo encontro (3ª e 4ª aulas) teve como tema _ ginástica geral: confecção e manipulação de materiais não tradicionais da ginástica. O primeiro momento da aula se deu na confecção do malabares pelos alunos, após passamos para o momento da vivência cotidiana dos alunos, em que foi destinado um tempo para que estes pudessem brincar livremente com o malabares explorando e manipulando o material. O momento de instrumentalização ocorreu com a demonstração de algumas possibilidades de manipulação deste material, em seguida, por meio de questões norteadoras, foi pedido para que os alunos demonstrassem formas diferentes das que já tinham sido feitas. Neste momento da aula observou-se o quanto um novo material serve de estímulo para a criatividade dos alunos. Esses traduziram isso dizendo "foi muito legal", "eu nunca tinha brincado com isso e achei legal", "não é difícil", "só é difícil fazer com mais de uma bolinha".

O momento de catarse ocorreu por meio de discussões e reflexões sobre a aula, em que pode ser constatado que a grande maioria dos alunos nunca havia tido contado/manipulação com o malabares. O momento da prática social final desta aula se deu por meio de uma pesquisa em casa e com os pais se existem outros tipos de malabares.

O terceiro encontro (5ª e 6ª aulas) apresentou como tema _ ginástica geral: formas básicas de movimentos e acrobacias de solo. O seu primeiro momento se deu por meio de diálogos com a turma para a identificação da vivência cotidiana dos alunos, em que foram solicitados a refletirem sobre as habilidades propostas para a aula como, formas de andar, correr, saltar, equilibrar e como elas se dão em nossas vidas cotidianas. Após isso se passou ao momento de instrumentalização que nesta aula se deu em forma de estações, nas quais os alunos eram questionados sobre como podiam realizar as tarefas com os materiais propostos (trave de equilíbrio, banco, colchões e mesa baixa). Observou-se que os alunos responderam bem quando solicitado por meio de questões problematizadoras, porém, foram encontradas dificuldades no processo de criação.

O momento de catarse também ocorreu em forma de diálogos retomando as questões propostas no momento inicial da aula. As falas foram: "eu sempre brinquei de pular e andar em cima dos bancos, mas não sabia que isso era ginástica"; "equilibrar é importante pra gente não cair"; "eu brinco de andar no meio fio"; "quase tudo que a gente faz é ginástica". A partir dessas frases, é possível verificar que os alunos conseguiram identificar como essas habilidades podem estar presentes na prática da ginástica geral e esta manifestação em suas vidas cotidianas. Nesse sentido, podemos perceber que os alunos avançaram no sentido de reelaborar seus conceitos cotidianos partindo para os conceitos científicos. A esse respeito Gasparin (2002 p. 128) afirma que é no momento de catarse que o aluno pode manifestar a "conclusão, o resumo, que ele faz do conteúdo aprendido recentemente. É o novo ponto teórico de chegada, a manifestação do novo conceito adquirido". Além do mais, o momento da prática social final se deu por meio de uma exposição por parte dos alunos de figuras e possibilidades que surgiram durante a aula.

O quarto encontro (7ª e 8ª aulas) teve como tema _ ginástica geral: confecção e exploração de materiais não tradicionais da ginástica. O desenvolvimento desta aula procedeu-se em quatro momentos: 1) confecção do material com a ajuda do professor; 2) manipulação do material (vivência cotidiana dos alunos); 3) problematização/instrumentalização; 4) construção e apresentação de uma coreografia com a utilização do material (catarse/prática social final). Novamente pode-se observar que a utilização de materiais que tradicionalmente não fazem parte das aulas de educação física estimulam a participação e a criatividade dos alunos. A esse respeito Ayoub (2003) afirma que a utilização de materiais diversificados, tanto os que são tradicionais da ginástica ou característicos dos esportes, quanto materiais denominados não tradicionais promovem a descoberta de novas possibilidades de ação favorecendo a inventividade, enriquecendo o contexto educativo. De acordo com a mesma autora, "jornais, bexigas, tábuas, revistas, garrafas de plástico, pedaços de isopor, entre tantos outros, podem tornar-se um rico material pedagógico para o desenvolvimento das aulas de ginástica geral na escola" (p. 89-90).

O quinto encontro (9ª e 10ª aulas) teve como tema _a ginástica acrobática no contexto da ginástica geral. O desenvolvimento desta aula se deu em dois momentos: 1) contato inicial com a modalidade de ginástica acrobática (vivência cotidiana dos alunos/prática social inicial); 2) vivenciar e criar movimentos acrobáticos (problematização/instrumentalização). No momento da identificação da prática social inicial pode-se perceber que os alunos não sabiam responder o que era a ginástica acrobática, muitos deles disseram nunca ter ouvido falar nesse nome. No momento de instrumentalização em que foram demonstrados fotos e figuras a respeito desta manifestação gímnica os alunos conseguiram identificar essa prática dizendo que já tinham visto no circo e na televisão. À medida que eram lançadas as questões problematizadoras, os alunos foram se sentindo estimulados, demonstrando algumas formas de movimentos acrobáticos que já faziam parte do seu cotidiano e das brincadeiras infantis como: carregar de cavalinho nas costas, carriolinha, saltar sobre o amigo (pular cela).

Nesta aula foi destacada a importância do trabalho em grupo na ginástica acrobática, pois de acordo com Montenegro et al. (2005) esta modalidade quando trabalhada na escola deve oportunizar aos alunos vivências que estimulem a afetividade, honradez, valorização do sujeito, companheirismo, dentre outros aspectos ligados a formação social dos alunos. No momento de catarse durante os questionamentos finais foi muito interessante o que os alunos disseram no que diz respeito ao trabalho em grupo seguindo algumas falas: "é difícil porque tem gente que fica bagunçando"; "é importante porque se não o amigo cai"; "é legal, mas tem que todos ajudar". Nesta aula o momento da prática social final também se deu em forma de apresentação das possibilidades criadas em grupo para toda a turma no sentido de socializar os conhecimentos produzidos.

O último encontro (11ª e 12ª aulas) se deu com o seguinte tema: ginástica geral: Manipulação de material de grande porte (Pára-quedas). O momento caracterizado como prática social inicial se deu por meio de questionamentos aos alunos se já tinham visto ou vivenciado algum tipo de atividade com esse tipo de material. As respostas foram unânimes dizendo que não. O momento de instrumentalização, diferente das anteriores, não ocorreu na forma de questões problematizadoras, por se tratar de um material de grande porte, os alunos agiram conjuntamente para a sua manipulação, utilizando sempre todos os alunos nas atividades, uma forma em que iriam descobrindo as suas possibilidades. Nesse sentido, as atividades foram propostas por parte do professor e em seguida vivenciadas por todos os alunos ao mesmo tempo. Embora este tenha sido um dos materiais que mais chamou a atenção dos alunos, devido ao seu grande porte e visual que proporciona, muitas dificuldades foram encontradas para se trabalhar com a manipulação do mesmo, pois muitos alunos, não perceberam a importância de se trabalhar em conjunto, e queriam fazer cada um uma coisa ao mesmo tempo.

O momento de catarse desta aula se deu com os diálogos estabelecidos com a turma, com isso pudemos perceber que os alunos gostaram muito de utilizar um material como este na aula, mas as dificuldades de se trabalhar coletivamente foram as que mais atrapalharam. Porém, as discussões parecem ter despertado nos alunos alguma consciência com relação ao trabalho em grupo como evidenciamos nas frases a seguir: "se cada menino for tentar erguer o pára-quedas não vai conseguir"; "é importante fazer junto para ficar bonito"; "se não brincar junto não vai dar certo"; "eu achei o pára-quedas legal, mas não podemos brincar de pára-quedas sozinhos". O momento da prática social final se deu por meio da elaboração de frases e desenhos por parte dos alunos sobre a importância de se trabalhar em grupo com o pára-quedas.

Percebemos que de forma geral os alunos tiveram uma boa participação durante as aulas, ficando evidente que o processo de criação utilizou sempre experiências vivenciadas no cotidiano dos alunos e de suas práticas sociais. No entanto, para buscarmos aproximações com os saberes produzidos na escola, faz-se necessário salientar, que este processo não se deu de maneira simples e sem nenhuma dificuldade. Os relatos dos alunos refletem como se deu a apropriação dos conteúdos e de como esse processo foi importante para que aprendessem criando e resolvendo problemas, mesmo com dificuldades para dialogar no grupo.



Considerações finais

Motivamos-nos na realização desse estudo devido nossa preocupação com a intervenção na educação física, principalmente em garantir o acesso aos conhecimentos da área. Outro aspecto que justifica nosso estudo é que a escola é o espaço clássico da área e, portanto, é na educação física escolar que os conhecimentos podem ser de fato socializados, pelo acesso garantido a todos. Entretanto, na atualidade, autores como Barbosa-Rinaldi (2003), Ayoub (2003) afirmam que, por motivos diversos, a ginástica não tem sido trabalhada na escola. O estudo em questão nos possibilitou entender como a ginástica geral pode ser visualizada na pedagogia histórico-crítica. Além do mais, no decorrer do estudo, as experiências positivas bem como os problemas enfrentados com os alunos da 1ª série do ensino fundamental foram descritos.

Sobre a metodologia apresentada para o desenvolvimento das aulas, no caso, a pedagogia histórico-crítica, percebemos que a mesma pode ser utilizada para o encaminhamento de um trabalho com a ginástica na educação física escolar, e que esta apresenta importantes fatores para que as aulas sejam trabalhadas de uma forma diferenciada das que geralmente observamos nas escolas. Assim, o conhecimento aqui produzido poderá fornecer elementos para os profissionais que estudam e trabalham com a ginástica, bem como para aqueles que se preocupam com as questões metodológicas. A proposta metodológica abordada contribuiu no sentido de levar os alunos a aprender sobre um conhecimento que foi historicamente produzido e sistematizado, mas que puderam vivenciar de uma forma prazerosa e de acordo com suas necessidades e principalmente, com base no que já conheciam sobre o mesmo. Com isso, puderam estar em contato com um conhecimento até então nunca explorado nas aulas de educação física, puderam ampliar seus conhecimentos e identificarem como este pode estar presente em suas ações cotidianas.

Ainda no que diz respeito à metodologia, percebemos que foi interessante trabalhar com um método que leve o aluno a pensar sobre suas ações e conseqüentemente refletir sobre a implicação dos mesmos para a sua vida. No entanto, algumas dificuldades foram encontradas no sentido de criar um ambiente de discussões, talvez porque essa não seja uma prática rotineira durante as aulas de educação física. Encontramos também, algumas dificuldades em visualizar a abordagem de alguns conhecimentos propostos para as aulas baseados efetivamente na pedagogia histórico-crítica. Assim, cabe ressaltar que é necessário que se faça às devidas adaptações na prática pedagógica diária na realidade escolar.

A partir dessas considerações, entendemos que esta metodologia torna-se possível para o encaminhamento das aulas abordando o conhecimento gímnico no ambiente escolar, oferecendo valiosos elementos e que podem ser utilizados para que as aulas de educação física sejam tratadas de forma diferenciada. Neste estudo acreditamos ter elucidado algumas questões metodológicas que contribuirão para possíveis encaminhamentos no sentido de levar esse universo de saberes até a escola de uma maneira significativa, contribuindo efetivamente para que os alunos possam refletir sobre a prática da educação física e da ginástica de maneira diferenciada contribuindo efetivamente para as suas vidas.



Referências

• AYOUB, Eliana. Ginástica Geral e Educação Física escolar. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.

• BARBOSA, I. P. A ginástica nos cursos de Licenciatura em Educação Física do Estado do Paraná. Campinas, SP: [s.n.], 1999. Dissertação (Mestrado em Educação Física) Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

• BERTOLINI, C.M. Ginástica Geral na escola: Uma proposta pedagógica desenvolvida na rede estadual de ensino. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas. Campinas-SP, 2005.

• BETTI, Mauro. Educação física e sociedade: a educação física na escola brasileira de 1º e 2º graus. São Paulo: Movimento, 1991.

• GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2002.

• GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO-UFPE/UFSM. Visão didática da educação física: análises críticas e exemplos práticos de aulas. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1991.

• FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro. São Paulo: Scipione, 1989.

• KUNZ. Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.

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• OLIVEIRA, Amauri A. Bássoli de. Metodologias emergentes no ensino da Educação Física. Revista da Educação Física/UEM, v.8, nº 1, p 21-27, 1997.

• SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 26 ed. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 1992.

• SAVIANE, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 6ª ed. - Campinas, SP: Autores Associados, 1997.

• TEIXEIRA, Roseli Terezinha Selicani. A ginástica rítmica desportiva nas universidades públicas do Paraná: Um estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Metodista de Piracicaba, 1996.

• VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

POR ROGERIO ALVES GODOY


3 - ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA


Resumo

O objetivo deste trabalho é descrever e analisar as recentes abordagens de ensino da Educação Física Escolar, buscando compreender, em parte, a sua trajetória histórica, suas possibilidades e limites, bem como descrever parte da sistemática de Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico - PCTP desenvolvida pelo Núcleo de Estudos em Planejamento e Metodologias do Ensino da Cultura Corporal, da Universidade Federal de Uberlândia - NEPECC/UFU num processo dialógico de formação continuada de professores das redes públicas de ensino.

Unitermos: Planejamento educacional. Educação Física escolar. Metodologia do ensino.

Introdução


A finalidade deste artigo é contribuir na aproximação do sentido/significado que poderia ter a análise histórico-crítica1 das mais recentes abordagens pedagógicas para o professor de Educação Física e sua prática cotidiana.

A descoberta e sistematização das diversas formas sobre o porquê e como a Educação Física caracteriza a suas práticas pedagógicas é importante para reconhecer, compreender e avaliar quais princípios filosóficos, diretrizes e motivações ideológicas que fundamentam as suas bases ontológicas e epistemológicas.

A importância de reconhecer essas bases filosóficas reside no fato de que a partir do advento da modernidade e da transformação do "logos" (razão) numa forma de racionalidade orientada quase que fundamentalmente pela lógica do trato do conhecimento científico (bases epistemológicas), se perderam de vista, em grande parte, questões básicas que já fizeram parte importante do estudo da Filosofia no contexto da formação humana, e que nos remetem, historicamente, à tentativa de compreender a essência do conhecimento, suas contradições, limites e possibilidades.

A questão fundamental da Filosofia nos remete necessariamente a duas perguntas centrais na história da humanidade. Uma de natureza ontológica, isto é aquela relacionada com a necessidade de estudar a origem, a essência, a causa primeira do cosmos, da vida, do pensamento, assim como a relação entre o ser e o pensamento (somos alma, espírito, idéia imutável ou somos fruto do desenvolvimento e aprimoramento da matéria, dinâmica e mutável?) Outra, a epistemológica, relacionada com a necessidade de conhecer a essência e a validade do conhecimento científico, enquanto propriedade dos organismos vivos.

No processo de conhecimento participam os sentidos, a razão, e a intuição. Nesse sentido, pergunta-se: qual deles é a origem, a fonte a base principal do conhecimento humano? Na questão de saber o lugar e a importância deles no conhecimento da verdade há divergência de opiniões. Na história da Filosofia apareceram diferentes doutrinas ao respeito (BASARIAN, 1988, p. 99), tais como o Empirismo, Racionalismo, Intuicionismo e o Materialismo Dialético.

Para a Ontologia, a noção "o ser", é um conceito utilizado para designar todas as coisas materiais: a matéria, a natureza, o mundo exterior, a realidade e todos os objetos, fatos e fenômenos materiais que existem "fora" do pensamento. Ao ser, de natureza material, contrapõe-se o pensamento, a idéia, isto é, a natureza imaterial, ideal ou espiritual.

O "pensamento" é outro conceito filosófico que designa a consciência do sujeito, a mente, o espírito, a alma e todos os fenômenos ideais e espirituais, ou seja, os conhecimentos considerados sensíveis e racionais tais como as sensações, as percepções, as representações, os sentimentos, as emoções, as idéias etc.

A importância da ontologia e da epistemologia reside no fato, ainda que grande parte dos professores não saiba disso, de que a partir dessas fontes de conhecimento são construídas as visões de mundo Idealista e Materialista de mundo como um todo. Concepções que, em essência, caracterizam e sustentam grande parte das idéias ou representações que construímos ao longo das nossas vidas pessoais e profissionais. A partir da ontologia estuda-se, assim, a essência, das coisas e indaga-se o que é primeiro o ser ou o espírito, a idéia, a alma?

A epistemologia estuda a essência do conhecimento e a relação cognitiva que o sujeito estabelece com os objetos ou fenômenos naturais e sociais. Indaga, por exemplo, qual o fator primário e determinante do conhecimento humano: o objeto ou o sujeito?

Tal como poderá ser verificado neste trabalho, conforme a resposta dada às questões ontológicas e epistemológicas colocadas pela Filosofia, será possível perceber de que forma se materializam na realidade social as duas grandes correntes ou doutrinas filosóficas predominantes no mundo contemporâneo, o Idealismo e o Materialismo.

Se a resposta for que o pensamento, a idéia, a consciência o sujeito é primário e determina o ser, a matéria, a realidade, teremos o idealismo filosófico com suas inúmeras variantes. Se, ao contrário, a resposta for que o ser, a matéria, a realidade, o objeto, é primário e determina o pensamento, a idéia, a consciência, o sujeito, teremos o materialismo filosófico e suas diferentes variantes (BAZARIAN, 1988, p. 53)2.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é descrever as principais abordagens de ensino da Educação Física da História na Educação Física, buscando compreender, em parte, a sua trajetória histórica, suas possibilidades e limites, bem como apresentar parte da sistemática de Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Planejamento e Metodologias do Ensino da Cultura Corporal da Universidade Federal de Uberlândia - NEPECC/UFU em processos de formação continuada de professores das redes públicas de ensino.

Abordagens não propositivas e propositivas do ensino da Educação Física

À luz das correntes epistemológicas do conhecimento científico, várias foram as abordagens constituídas na Educação Física ao longo da sua história. No quadro 1, abaixo, são apresentadas as abordagens de ensino surgidas a partir dos anos 1980 no Brasil, as quais continuam refletindo, social e politicamente, a pluralidade de entendimentos a respeito de quais "devem ser" as funções sociais e quais as bases metodológicas do ensino da Educação Física.

Ao analisar o impacto social da produção de conhecimento decorrente dessas abordagens, verifica-se que elas não se manifestam no cotidiano escolar de forma homogênea ou consensual e sim sob diferentes lógicas de intervenção sócio-comunicativa nos contextos em que exercem sua influência, que incluem os mecanismos e os processos de definição de perfis profissionais, bem como as matrizes curriculares definidas para os cursos de formação de professores (MUÑOZ PALAFOX, 2001).

Longe de se concretizarem as práticas destas abordagens em espaços pluralistas e democráticos de socialização do conhecimento, orientado para a transformação objetiva da prática do professor e da realidade escolar, pode-se observar que elas vêm se materializando na realidade concreta de forma mais ou menos autônoma, como campos em disputa por uma hegemonia teórico-instrumental que, em essência, caracterizam a existência diferenciada de projetos políticos de sociedade, educação e profissão docente, com suas respectivas lógicas de racionalidade teórica e de intervenção social (MUÑOZ PALAFOX, 1997 e 2001).

Para Valter Bracht (2007) o quadro das propostas pedagógicas em Educação Física apresenta-se hoje bastante diversificado e, embora considere que a prática pedagógica atual resista a mudanças4, ou seja, que a prática esteja acontecendo influenciada pelo paradigma da aptidão física e do esporte rendimento, reconhece que várias abordagens pedagógicas foram gestadas nas últimas duas décadas, as quais se colocam hoje como alternativas para o ensino da Educação Física.

Reforçando estas questões, no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, realizado em setembro de 1997 em Vitória/Espírito Santo, foi apresentado um relatório por Castellani Filho e Taffarel dentro do qual identificaram a existência de 3 grandes correntes de pensamento na Educação Física:

Uma, com traços eminentemente positivistas, ainda impregnada do viés da neutralidade da ciência (relacionada com o modelo da Aptidão Física e do Esporte Rendimento);

outra de caráter cientificista e historicista5 onde o contexto sócio-histórico ou é subestimado ou relativizado, e; em posição de minoria, a discussão da ciência e da Educação Física no âmbito da dialética materialista-histórica das suas relações de produção, na atualidade, nas relações capitalistas.

Contrariamente às abordagens anteriores esta perspectiva epistemológica considera o trabalho humano e a práxis social fundamentos essenciais para a construção do cérebro, dos processos de pensamento e da consciência humana e, portanto, do caráter social irredutivelmente histórico do seu produto: o conhecimento. Em outras palavras, para esta perspectiva a essência humana além de não ser fruto de uma abstração criada pelos indivíduos isolados é, na realidade, fruto histórico do conjunto das nossas atividades humano-sociais. Em resumo, a essência humana - onde se localiza a ação cognitiva que nasce da prática do ato de conhecer - é a soma das forças de produção da vida, que todos enfrentamos e que estão historicamente construídas.

A partir da utilização da perspectiva epistemológica "-c-", Castellani Filho (1999) identificou uma série de propostas metodológicas de ensino da Educação Física com suas respectivas concepções de educação e sociedade, tomando como referência a literatura surgida no final dos anos 1980 e meados dos anos 1990.

A partir da proposta de Castellani Filho (1999), Celi Taffarel (op. cit.) apresentou uma ampliação da mesma a partir do reconhecimento das principais contribuições teóricas dos autores pesquisados, tal como apresentado no quadro 2, a seguir:

Para Taffarel6, as abordagens não propositivas e propositivas relacionam-se com a abrangência das proposições teóricas e metodológicas que cada uma das abordagens existentes apresenta para o trato com o conhecimento e a sistematização e organização dos processos de trabalho pedagógicos, que incluem a avaliação, para viabilizar ou não, propostas concretas de ensino-aprendizagem na Escola.

Segundo a autora, um campo acadêmico pode ser delimitado a partir de três critérios de análise utilizados para identificar metodologicamente as naturezas: filosófica, política e pedagógica do mesmo. Tais critérios foram identificados ao estudar a produção de conhecimento de grupos, núcleos e laboratórios de estudos e pesquisas da área, publicações em revistas, livros e propostas curriculares das secretarias estaduais e municipais de educação, assim como nos planos e programas de ensino dos Cursos de Licenciatura em Educação Física.

O primeiro critério diz respeito à localização de possibilidades explicativas históricas de proposições epistemológicas que podem ser apreendidas a partir da consideração do que é ciência, e o que é Educação Física e seu objeto de estudo7.

O segundo critério é a direção política do processo de formação humana assumido no interior de cada abordagem de ensino e que pode ser apreendida na análise das propostas curriculares, tanto da formação inicial quanto na formação continuada, e suas relações com um dado projeto Histórico de sociedade, subjacente a tais propostas.

O terceiro critério refere-se às categorias que fundamentam teórico-metodologicamente cada uma das abordagens propostas, as quais podem ser identificadas e descritas por meio do estudo das práticas pedagógicas que propõem: a) no processo de trabalho pedagógico instituído; b) nas formas de organização e sistematização dos saberes que defende e ministra com seus respectivos objetivos de ensino e, c) pela proposta de avaliação que defendem na sua estrutura curricular.

A partir da análise dessas indagações será possível, então, identificar e desvendar que fundamentos ontológicos e epistemológicos caracterizam os Projetos Históricos e seus respectivos Projetos Político-Pedagógicos explicita ou implicitamente descritos em cada uma das abordagens propostas no campo acadêmico denominado Educação Física.

Abordagens recentes do ensino da Educação Física escolar

Segundo Bássoli de Oliveira8, na atualidade podem ser encontradas as seguintes metodologias do Ensino da Educação Física, considerando que o ensino vem, historicamente, buscando organizar meios e formas metodológicas que sejam colocadas em prática para o atendimento das exigências que permeiam o mesmo (OLIVEIRA, 1997).

Estudos desenvolvidos pelo mesmo Oliveira (1988; 1992), Bracht (1989; 1992), Guilhermeti (1991), Kunz (1991; 1994) e outros, procuraram demonstrar que as denominadas Tendências Metodológicas de Ensino da Educação Física são propostas que, em vários casos, sucumbiram antes mesmo de serem testadas e colocadas efetivamente em prática devido a vários fatores dentre os quais podem ser encontrados: a falta de preparo dos professores para o enfrentamento de novas estratégias metodológicas; a falta de interesse em estimular novas abordagens metodológicas; a condição de refratário do conhecimento que os docentes assumem no ensino; a estabilidade empregatícia que os docentes têm dentro do sistema educacional e do medo da instabilidade frente a novos conteúdos e estratégias metodológicas (OLIVEIRA, 1997).

Entretanto, mesmo frente a este quadro de dificuldades e incertezas na apresentação de propostas metodológicas, a área da Educação Física tem, nos últimos anos, procurado criar estratégias e apresentar novas formas reflexivas do entendimento e aplicação da Educação Física na escola. Este esforço, mais uma vez, vemos que tem sido pequeno frente aos problemas gerais que a área possui em relação ao entendimento de toda a comunidade sobre a Educação Física. Infelizmente, a Educação Física é entendida como atividade dentro do processo educacional, é resolvida como uma prática sem interesse para a formação integral dos educandos e assim por diante (OLIVEIRA, 1997).

Para esse mesmo autor, a Educação Física conta na atualidade com quatro propostas de destaque: as Metodologias do Ensino Aberta; Construtivista; Crítico-Superadora e Crítico-Emancipatoria.

Os dados apresentados a seguir foram coletados e descritos por Oliveira (1997) a partir de uma série de respostas oferecidas pelos próprios idealizadores ao autor.

Metodologia do Ensino Aberto

Idealizadores: Reiner Hildebrandt & Ralf Laging (Alemanha) e Grupo de Trabalho Pedagógico (Brasil).

Referencial Teórico

Teoria Sociológica do Interacionismo Simbólico (Mead/Blumer).

Teoria Libertadora (Paulo Freire).

Interacionismo Simbólico (Blumer).

O atributo simbólico é justificado pela premissa de que os homens agem baseados nos significados em relação a coisas e pessoas;

Estes significados são adquiridos em interações sociais;

Estes significados podem ser modificados através de processos interpretativos.

Berger e Luckman (1985, p. 98) ao falarem dos significados/símbolos afirmam:

Os significados institucionais devem ser impressos poderosa e inesquecivelmente na consciência do indivíduo. Como os seres humanos são freqüentemente preguiçosos e esquecidos, deve também haver procedimentos mediante os quais estes significados possam ser reimpressos e rememorizados, se necessário, por meios coercitivos geralmente desagradáveis. Além disto, como os seres humanos são freqüentemente estúpidos, os significados institucionais tendem a ser simplificados no processo de transmissão, de modo que uma determinada coleção de "fórmulas" institucionais possa ser facilmente aprendida e guardada na memória pelas gerações sucessivas. O caráter de "fórmula" dos significados institucionais assegura sua possibilidade de memorização.


Objeto de Estudo: O mundo do movimento e suas implicações sociais.

Objetivos Gerais: Trabalhar o mundo do movimento em sua amplitude e complexidade com a intenção de proporcionar, aos participantes, autonomia para as capacidades de ação.

Seriação Escolar: Pode ser trabalhada dentro da atual estrutura curricular escolar. Preocupa-se mais em como trabalhar, acessar e tornar significativo os conteúdos aos participantes.

Conteúdos Básicos: O mundo do movimento e suas relações com os outros e as coisas.

Enfoque Metodológico:

Os conteúdos são construídos por meio da definição de Temas Geradores e são desenvolvidos promovendo-se ações problematizadoras;

As ações metodológicas são organizadas de forma a conduzir a um aumento no nível de complexidade dos temas tratados e realiza-se em uma ação participativa, onde professor e alunos interagem na resolução de problemas e na definição dos temas geradores;

O ensino aberto exprime-se pelo estímulo à "subjetividade" dos participantes. Aqui entram as intenções do professor e os objetivos de ação dos alunos.

O Grupo de Trabalho Pedagógico defende uma aula de Educação Física que:

procura uma ligação do aprender escolar com a vida de movimento dos alunos;

não olha para o esporte só como rendimento;

considera as necessidades e interesses, medos e aflições dos alunos, e que não os reduz a condições prévias de aprendizagem motora;

mantém o caráter de brincadeira no movimento e na forma natural dos alunos, isto é, que faça com que isso se desenvolva na discussão social;

considera a relação entre movimento, percepção e realização;

possibilite aos alunos a participação em todas as etapas do processo ensino-aprendizagem.

Relação Professor-Aluno: Estabelece-se dentro de uma ação co-participativa que se amplia conforme o amadurecimento e responsabilidade assumida pelos integrantes do grupo. O engajamento, competência e responsabilidade docente são fatores fundamentais para a efetivação e ampliação das ações pedagógicas no ensino aberto.

Avaliação: Privilegia a avaliação do processo ensino-aprendizagem.

Livros que tratam do assunto

Concepções Abertas no ensino da Educação Física (Hildebrandt & Laging, 1986).

Visão Didática da Educação Física (Grupo de Trabalho Pedagógico, 1991).

Criatividade nas aulas de Educação Física (Taffarel, 1985).

Metodologia Construtivista

Apesar de o trabalho não ser considerado totalmente construtivista, pelo próprio autor que não gosta de classificação, denominou-se o mesmo como tal por apresentar, dentro da área da Educação Física, a ligação mais próxima a esta metodologia educacional. A pessoa que iniciou esta tendência foi Emilia Ferreiro, seguida por Ana Teberosky. Hoje, vários grupos de educadores estão trabalhando nesta tendência com o propósito de redirecioná-la e aperfeiçoá-la. Na educação já se trabalha com a linha denominada de sócioconstrutivismo, um avanço, segundo os educadores, do construtivismo original.

Idealizador: João Batista Freire (na Educação Física).

Referencial Teórico: Piaget, especialmente com as obras "O nascimento da inteligência na criança" e "O possível e o necessário, fazer e compreender".

Tendência Educacional: Construtivista (com tendência ao sócio-interacionismo - socioconstrutivismo).

Objeto de Estudo: Motricidade Humana, entendida como o conjunto de habilidades que permitem ao homem produzir conhecimento e se expressar.

Objetivos Gerais: Ensinar as pessoas a se saberem corpo. Ou seja, terem consciência de que são corpo. Mais especificamente seria ensinar as habilidades que permitem as expressões no mundo.

Seriação Escolar: Pode ser adaptada ao currículo atual, mas aponta, para alterações no currículo, inclusive na seriação.

Conteúdos Básicos: Trabalhar, inicialmente, com a cultura dos próprios participantes, de modo a tornar, o conhecimento significativo. Trabalhar com a educação dos sentidos, educação da motricidade, educação do símbolo.

Enfoque metodológico: Trabalha com a metodologia do conflito. A partir do que o sujeito sabe, sugerir mudanças no conteúdo, criando o conflito entre o que se sabe e o que é preciso ser aprendido. Do conflito viria a consciência do fazer.

Relação Professor-Aluno: Todos participam do processo de construção do conhecimento.

Avaliação: Este aspecto necessita ser ainda melhor trabalhado. O autor da proposta não se sente à vontade para falar do tema, o que não quer dizer que não o domine, apenas ressalta que para uma tomada de posição seria necessário uma dedicação especial ao estudo do mesmo.

Livro que trata do assunto

Educação de corpo inteiro (FREIRE, 1989).

Metodologia Crítico-Superadora

Idealizadores: Coletivo de Autores (1992).

Referencial Teórico: Teoria do Materialismo Histórico-Dialético

É denominada Crítico-Superadora porque tem a Concepção Histórico-Crítica como ponto de partida. Assim como ela, entende ser o conhecimento elemento de mediação entre o aluno e o seu apreender (no sentido de construir, demonstrar, compreender e explicar para poder intervir) da realidade social complexa em que vive. Porém, diferentemente dela, privilegia uma dinâmica curricular que valoriza, na constituição do processo pedagógico, a intenção dos diversos elementos (trato do conhecimento, tempo e espaço pedagógico...) e segmentos sociais (professores, funcionários, alunos e seus pais, comunidade e órgãos administrativos...).

Objeto de Estudo: Temas inerentes à Cultura Corporal do Homem e da Mulher brasileiros, entendendo-a como uma dimensão da cultura. Busca desenvolver a apreensão, por parte do aluno - da Cultura Corporal, como parte constitutiva da sua realidade social complexa.

Objetivos Gerais: Desenvolver a apreensão, por parte do aluno, da sua Cultura Corporal, entendendo-a como parte constitutiva da sua realidade social complexa.

Seriação Escolar: Propõe a estruturação em ciclos de escolarização:

1° Ciclo: (pré à 3a. série) - ciclo de organização da identificação dos dados da realidade;

2° Ciclo: (4a à 6a série) - ciclo de iniciação à sistematização do conhecimento;

3° Ciclo: (7a à 8a série) - ciclo de aplicação da sistematização do conhecimento;

4° Ciclo: (2o grau) - ciclo de aprofundamento da sistematização do conhecimento.

Conteúdos Básicos: São os temas que, historicamente, compõem a Cultura Corporal do Homem e da Mulher brasileiros: Jogo / Ginástica / Dança e Esportes.

Enfoque Metodológico: Propõe olhar para as práticas constitutivas da Cultura Corporal, como "Práticas Sociais", vale dizer, produzidas pela ação (trabalho) humana com vistas a atender determinadas necessidades sociais. Dessa forma, as atividades corporais, esportivas ou não, componentes da nossa Cultura Corporal, são vivenciadas - tanto naquilo que possuem de "fazer" corporal, quanto na necessidade de se refletir sobre o significado/sentido desse mesmo "fazer".



Relação Professor-Aluno: Defende o prevalecer da Diretividade Pedagógica (Snyders). Cabe ao professor explicar, a priori, a intencionalidade de suas ações pedagógicas, pois ela não é neutra. É Diagnóstica (parte de uma leitura/interpretação da realidade, de uma determinada forma de estar no mundo), Judicativa (estabelece juízo de valor) e Teleológica (é ensopada de intenções, metas, fins a alcançar). Tal ação pedagógica tem no conhecimento sobre a realidade, manifesta pelo aluno, o seu ponto de partida. Como seu horizonte de trabalho pedagógico, tem o de qualificar o conhecimento do aluno sobre aquela mesma realidade - no sentido de dotá-lo de maior complexidade -, de tal forma que ela, realidade, é a mesma... e é diferente!

Avaliação: Privilegia a avaliação do processo Ensino-Aprendizagem.

Livros que tratam do assunto

Metodologia do ensino da Educação Física (Coletivo de Autores, 1992).

Educação Física e Aprendizagem Social (BRACHT, 1992).

Metodologia Crítico-Emancipadora

Idealizador: Elenor Kunz (1994).

Referencial Teórico: Teoria Sociológica da Razão Comunicativa (Habermas).

Objeto de Estudo: Movimento Humano - esporte e suas transformações sociais.

Objetivos Gerais:

Conhecer e aplicar o movimento conscientemente, libertando-se de estruturas coercitivas;

Refuncionalizar o movimento.

Seriação Escolar: Não aponta e/ou trabalha alguma proposta neste sentido

Conteúdos Básicos: O movimento humano através do esporte, da dança e das atividades lúdicas.

Enfoque Metodológico: Defende a idéia de que é necessário que cada disciplina se torne um verdadeiro campo de estudos e de pesquisa. Também para a Educação Física. Afinal de contas os alunos visitam a escola para estudar e não para se divertir (embora o estudo possa se tornar algo divertido) ou para praticar esportes e jogos (embora esta prática, também tenha a sua importância). Assim, optou-se por uma estratégia didática com as seguintes categorias de ação: trabalho, interação e linguagem.

Uma aula deve ter como caminho a ser percorrido em seu desenvolvimento:

Arranjo material;

Transcendência de limites pela experimentação;

Transcendência de limites pela aprendizagem;

Transcendência de limites, criando.

Relação Professor-Aluno: Fundamenta-se na ação comunicativa problematizadora, visando uma interação humana responsável e produtiva.

Avaliação: Privilegia a avaliação do processo Ensino-Aprendizagem.

Livros que tratam do assunto

Educação Física: ensino e mudanças (KUNZ, 1991).

Transformação didático-pedagógica do esporte (KUNZ, 1994).

Considerações finais

Segundo KUNZ (1994:131)

é necessário que cada disciplina se torne um verdadeiro campo de estudos e de pesquisa. Também, para a Educação Física. Afinal de contas os alunos visitam a escola para estudar e não se divertir (embora o estudo possa se tornar algo divertido) ou para praticar esportes e jogos (embora esta prática também tenha a sua importância).

Nesse sentido, para Oliveira (1997), se desejamos que a Educação Física alcance um novo entendimento e aceitação junto a toda comunidade é imprescindível uma retomada de ações metodológicas e de conteúdos significativos no contexto escolar.

Por outro lado, no contexto das mais recentes Metodologias de Ensino apresentadas, pode ser observada a importância do papel do professor no processo de organização dos seus programas de ensino e das ações metodológicas que deverá implementar, as quais exigem conhecimento, compromisso, responsabilidade e competência para promover o desenvolvimento de um processo ensino aprendizagem crítico e de qualidade.

Oliveira (1997) faz questão de destacar no seu estudo que a importância que o Coletivo de Autores (1992) assumiu ao apresentar na metodologia Crítico-Superadora, de Ensino, ao defender a construção de uma sociedade igualitária, dentro da perspectiva socialista. Tal compromisso sócio-político está mais claro e explicitado na proposta citada do que nas demais. Contudo, pode-se também constatar junto aos demais idealizadores que mesmo sem esse compromisso explícito suas idéias voltam-se à construção de uma sociedade mais justa e humana.

Entretanto, concordando com Oliveira, este nos alerta para o fato de que o professor deve sempre estar precavido contra visões fantasiosas e ilusórias da realidade educacional, motivo pelo qual cita BETTI (1991:167), para quem:

o discurso sócio-político, que lidera o processo de transformação na Educação Física brasileira atual, propõe um modelo de personalidade que desenha um homem crítico, criativo e consciente, e os instrumentos disponíveis no processo ensino-aprendizagem para acionar tais propostas, são a polarização em torno da ludicidade, controle interno, não-formalidade, cooperação, flexibilidade das regras, solução de problemas e honestidade. Pode-se prever um esmorecimento deste discurso se não houver percepção suficiente para acionar esta operacionalização.

Planejamento coletivo do trabalho pedagógico - PCTP: A experiência de Uberlândia no NEPECC/UFU

Consideramos importante ressaltar aqui a existência da sistemática de intervenção político-pedagógica denominada Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico - PCTP do Nepecc/UFU, foi criada num contexto de assessoria docente e de organização de programas de formação continuada, em conjunto com professores e professoras de Educação Física das redes públicas de ensino, a partir do início dos anos 1990 (MUÑOZ PALAFOX, 2002)9.

A proposta PCTP, é dotada de uma concepção e prática metodológica de planejamento e de intervenção pedagógica cuja finalidade central é contribuir para que os professores sejam capazes de formular, sistematizar e implementar propostas curriculares e programas de ensino, esta sendo utilizada nas redes públicas de ensino e em cursos de licenciatura das cidades de Uberlândia (Minas Gerais) e Goiânia (Goiás), dentre outras.

A professora e pesquisadora da Universidade Federal de Goiás, Anegleyce Teodoro Rodrigues apresentou em 2003 durante o XIII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte na cidade de Caxambu (Minas Gerais), uma pesquisa onde, além de citar que a sistemática PCTP transita entre as abordagens Crítico-Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992) e Crítico-emancipatória (Elenor Kunz, 1994), serve como importante referência teórico-metodológica para contribuir com o processo de planejamento do ensino; o estudo de necessidades e de problemas observados; a definição de princípios pedagógicos, objetivos, conteúdos e das metodologias de ensino, assim como da avaliação na área de Educação Física Escolar10.

Posteriormente, Hugo Leonardo Fonseca da Silva, no seu artigo Planejamento Escolar e legitimidade da Educação Física após a regulamentação da profissão: profissional - indivíduo ou professor da categoria? (2004), afirma que:

Na Educação Física, há uma experiência significativa na perspectiva do planejamento coletivo/participativo (experiência de Uberlândia), cujo trabalho conjunto entre o NEPECC (Núcleo de Estudos e Metodologias do Ensino da Cultura Corporal) da UFU e Secretaria Municipal de Educação construiu e implementou a proposta do PCTP - Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico. Essa experiência tem demandado um esforço coletivo na construção de uma proposta que atende concretamente os interesses e necessidades da rede em questão quanto ao ensino da Educação Física (SILVA, 2004, p. 79).

Para esse autor, o PCTP, apresenta-se como uma perspectiva de planejamento escolar na/para Educação Física escolar, na qual a ação política, teleológica, transformadora, teorizada a partir do concreto, são bases de sustentação para uma prática pedagógica da área com fins explicitamente democráticos e qualitativos, cuja ação de planejar torna-se uma prática político-educativa (MUÑOZ PALAFOX e colaboradores, 2000) (SILVA, 2004, p. 79).

Baseados numa abordagem crítica de Planejamento de Ensino (MUÑOZ PALAFOX, 2004), em 1993 foi iniciado um trabalho de pesquisa/assessoria pedagógica junto aos professores de Educação Física da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia - ESEBA/UFU e da Rede Municipal de Ensino de Uberlândia - RME/UDI, Minas Gerais, em busca da elaboração de um projeto político-pedagógico coletivo fundamentado no princípio da formação continuada de educadores.

A experiência desenvolvida nesse contexto de trabalho favoreceu o desenvolvimento conjunto de uma sistemática de planejamento coletivo que, apesar das dificuldades advindas do cenário político e do cotidiano escolar, possibilitou, além da formação teórica dos participantes, a construção de uma proposta curricular denominada Diretrizes Básicas de Ensino da Educação Física para a Educação Básica, bem como a busca de sua implementação, tanto na ESEBA/UFU, bem como na RME/UDI.

Denominada Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico - PCTP a sistemática apresenta como princípio fundamental, o estabelecimento de uma relação dialética entre a teoria e a prática, tendo em vista a transformação político-pedagógica do processo de intervenção dos professores de Educação Física no contexto escolar.

Orientados pela discussão coletiva, no contexto do PCTP foi definido que o planejamento coletivo seria caracterizado como um ato de construção e reconstrução permanente daquilo que denominamos didaticamente de realidade intencionalizada no pensamento e na escrita, cuja finalidade é fornecer subsídios teóricos e práticos para agir estrategicamente na realidade vivida, tendo em vista a sua transformação (MUNOZ PALAFOX, 2001 p.176).

Não sendo nossa pretensão, neste momento, descrever e avaliar criticamente a experiência de trabalho coletivo junto aos professores de Educação Física Escolar do município, a qual pode ser encontrada nas teses de doutorado de Muñoz Palafox (2001), Terra (2004) e na dissertações de mestrado de Andrade (1999) e Amaral (2003), nosso objetivo limita-se, neste trabalho, a enunciar as principais diretrizes, conceitos e procedimentos sistematizados coletivamente no PCTP/EF a partir da reflexão crítica da realidade vivida e do estudo das bases teóricas que fundamentam a prática do planejamento e da ação pedagógica crítica no contexto da Educação Física Escolar.

Diretrizes, conceitos e procedimentos utilizados no PCTP/EF

As perspectivas antropológicas contemporâneas dependem de uma luta em dois níveis: primeiro, uma batalha estrutural de mais direta e intensa participação política no sentido de abrir caminho para todos e não só para alguns e, segundo, uma guerra de guerrilhas voltada para os atos pequenos e cotidianos de reeducação do homem (MORAIS, 1994, p.94).

Antes de proceder à apresentação das diretrizes do PCTP/EF, precisamos reafirmar, ainda que possa parecer óbvio, que as mesmas devem ser criticamente analisadas com antecedência, caso se pretenda utilizar essa estratégia de trabalho docente numa determinada realidade social. O motivo desse "alerta" é devido ao de que as mesmas não foram pensadas numa perspectiva universalizante de sociedade. A sua construção vem sendo fruto de uma prática social que, independentemente de refletir as condições e determinantes do país, apresenta as suas próprias particularidades e peculiaridades geográficas, políticas, sociais, econômicas e culturais.

De acordo com os procedimentos metodológicos adotados no PCTP, as principais diretrizes implementadas para viabilizar uma proposta curricular de Educação Física escolar são:

Constituir um espaço interinstitucional de trabalho coletivo, mediante a promoção de parcerias entre os/as professores/as das redes de ensino público e a universidade, objetivando a construção de uma proposta curricular ampliada, respeitando-se as diferenças e particularidades de cada rede de ensino.

Estabelecer uma estrutura de assessoria e/ou orientação pedagógica externa, especializada em Currículo, capaz de contribuir para a elevação da consciência crítica dos/as professor/as, e lidando com a sua organização coletiva, uma vez que devemos estimular o pensamento ao entrar em jogo com os conflitos entre as diferentes formas de agir e agir interpretando o real, considerando o inevitável "choque" com as tradições cristalizadas, as concepções sub-repticiamente formadas e os inevitáveis e incontroláveis "acordos tácitos" que caracterizam o currículo oculto (SAVIANI, 1995, p.20).

Criar espaços de reflexão permanente entre os/as educadores/as para estudar e avaliar tanto as conjunturas nacional e regional bem como dos problemas da cidade, para não restringir o planejamento coletivo ao estudo dos componentes técnico-práticos, psicológicos e sócio-políticos da Educação. Isto, devido ao fato de que a prática pedagógica é uma totalidade abrangente, que deve integrar esses componentes e outros, como o conhecimento da realidade, a observação, a verificação e a reflexão epistemológica para tratamento do conhecimento da Cultura, incluídas aqui, a Ciência e a Filosofia (SARUP, 1986; GIROUX, 1986).

Identificar problemas e dificuldades relacionados, direta e indiretamente, à prática pedagógica por meio da aplicação de diagnósticos de área realizados periodicamente.

Criar calendários anuais de eventos para a realização de atividades de formação, contando com a participação de especialistas nas áreas de Educação e Educação Física de outras localidades do país, para refletirem e debaterem sobre o trabalho realizado no PCTP, contribuindo com subsídios teórico-práticos durante o processo de construção e implementação da proposta curricular da área.

Construir uma Proposta Curricular de Ensino, cuja função é reorientar os/as professores/as no que diz respeito às políticas cultural e identitária da área. Em Uberlândia, essa proposta recebeu o nome de Diretrizes Curriculares de Ensino - DCE, por conter, dentre outros assuntos, um guia referencial sobre a realidade social e o saber escolar que pode ser trabalhado no cotidiano escolar, na perspectiva de ensino adotada11.

Construir coletivamente Estratégias de Ensino, orientadas para intervir e avaliar criticamente no cotidiano escolar.

No que diz respeito a este procedimento, torna-se importante ressaltar que, durante o trabalho desenvolvido com os/as educadores/as envolvidos/as no processo entre 1996 e 1998 (MUÑOZ PALAFOX, 2001) tornou-se consensual a idéia de admitir que, para além dos diversos sentidos/significados atribuídos na teoria à palavra metodologia, esta tem significado, basicamente, o ato de identificar objetivos de ensino (geralmente estabelecidos12), seguidos da busca de alguma proposta de aula previamente estruturada numa sucessão de operações/atividades para, em seguida, adequá-la e reproduzi-la na sala de aula. Isto, com a finalidade de alcançar o(s) objetivo(s) pretendido(s), independentemente da abordagem pedagógica que, na perspectiva do professor, encontra-se subjacente a sua prática docente13.

Infelizmente, essa atitude habitual de planejar o ensino, reproduzindo objetivos e estruturas predeterminadas de aula, além de continuar muito presente entre muitos/as professores/as, tem anulado, em grande parte, a sua capacidade de criação, uma vez que este potencial é cerceado pela pré-definição dos rumos que apontam tais propostas de aulas, as quais que podem ser encontradas com certa facilidade na literatura especializada.

Percebido esse "viés", a busca de sua superação tem implicado no PCTP/EF a necessidade de estabelecer alguns "acordos conceituais" entre os/as professores/as, como procedimento inicial necessário para a construção, implementação e avaliação coletiva de Estratégias de Ensino:

Método/Metodologia: Caminho a ser seguido num sentido amplo. Relacionado a um determinado pensamento lógico (indutivo/dedutivo) ou a uma corrente epistemológica (positivista, dialética, fenomenológica, etc.);

Estilo/Técnica de Ensino: Sucessão de operações/atividades seqüencialmente estabelecidas para alcançar objetivos educacionais. Pela sua estrutura, um estilo/técnica de ensino apresenta um caráter de aplicação universalizante, uma vez que pode ser utilizado no tratamento de diferentes temas de ensino, dependendo de suas características e finalidades específicas.

Estratégia de Ensino: Planejamento de um processo de ensino (onde, com que, quando e como), orientado para alcançar uma ou várias competências educacionais. Uma Estratégia de Ensino pode conter um ou mais Estilos/Técnicas de Ensino para atingir os objetivos desejados.

A sua realização pressupõe:

Identificação dos materiais didáticos e do número de aulas disponíveis para se implementar a Estratégia de Ensino.

Identificação e estudo da zona de desenvolvimento potencial e real dos estudantes alvos da estratégia.

Identificação de princípios pedagógicos relacionados à/às teoria/s de aprendizagem subjacente/s à Estratégia de Ensino utilizada.

Elaboração de um Seqüenciador de Aulas (SA) e de uma Unidade de Avanço Programático (UAP) das ações propostas aula por aula, incluindo possibilidades de variantes14.

Torna-se importante destacar que o momento de orientação para sistematizar por escrito as ações previstas numa Estratégia de Ensino criada e vivenciada por um ou vários professores, representa, em nossa opinião, uma das atividades mais interessantes do PCTP/EF. De acordo com o nível de compreensão que cada professor alcança em relação às Diretrizes Básicas de Ensino propostas, são observadas diferenças nos procedimentos adotados para elaborar e implementar Estratégias de Ensino. Por exemplo, há quem opta por registrar as ações da Estratégia, primeiro, para depois experimentá-las. Outros/as preferem descrever os objetivos, seguido da construção de um esquema básico de atividades. Por esses motivos, foi surgindo a idéia da criação do SA e da UAP.

Entretanto, quando se procede a sistematizar de forma escrita uma determinada Estratégia previamente vivenciada pelo professor ou não, foi percebida uma curiosa situação. Alguns dos professores que optam por escrever as ações da Estratégia encontram, freqüentemente, dificuldades para associar as ações propostas aos objetivos de ensino inicialmente idealizados. Por outro lado, encontramos, também, vários casos, entre aqueles professores que estabeleceram previamente os seus objetivos de ensino, onde foi apresentada dificuldade para traduzir por escrito as ações que executaram em sala de aula por não conseguir explicar, com detalhes, as atividades desenvolvidas na Estratégia à luz dos objetivos inicialmente traçados. Por estes motivos, dependendo da "lógica de pensamento" de cada professor, a orientação do processo de escrita de uma estratégia de ensino pode começar utilizando-se, tanto um SA quanto uma UAP.

Para além do planejamento, durante o processo de implementação de uma Estratégia de Ensino, elaboração e preenchimento de um Registro de Contingências tendo em vista a sua utilização como instrumento avaliativo para a modificação e/ou recriação coletiva da estratégia entre os professores que a experimentaram em seu próprio campo de vivência docente. Contingência é entendida no PCTP/EF como sendo uma dificuldade que acontece de forma imprevista durante a vivência de uma estratégia de ensino que exige, naquele momento, uma tomada de decisão imediata.

Preparação e aplicação do instrumental de avaliação e auto-avaliação do ensino, por parte dos estudantes, incluindo considerações/sugestões sobre o processo vivenciado.

Os instrumentos criados, para atender às necessidades da sistematização das Estratégias de Ensino no PCTP/EF, têm como objetivo que os professores compartilhem suas experiências e reflitam a sua prática, exercitando, dentre outros aspectos, o ato da escrita daquilo que é vivenciado na sua realidade concreta. Por esse motivo, tais materiais receberam o nome de Instrumentos de Mediação Comunicativa (IMC).

Pela função atribuída aos IMC, esses instrumentos vêm sendo criados, testados e reformulados continuamente até conseguir, pela via do acordo coletivo, a definição de formatos capazes de satisfazer as suas finalidades.

Longe de serem considerados instrumentos burocráticos, geralmente utilizados para demonstrar ao supervisor pedagógico da escola que o professor realizou o planejamento do ensino, a função dos IMC foi facilitar os processos coletivos de produção/troca de saberes, de reflexão crítica e de comunicação docente para:

refletir e avaliar coletivamente as conseqüências das decisões tomadas;

analisar como reagem os/as alunos/as;

ver se os conteúdos selecionados são factíveis para um certo ciclo de ensino por meio da comparação das experiências;

iluminar o processo de tomada de decisões ou a revisão das decisões já tomadas para reformular e/ou atualizar as Estratégias de Ensino experimentadas;

obter subsídios da prática pedagógica que, junto à teoria, permitam a construção de novas Estratégias.

Construir, avaliar e reformular coletivamente os Planos Anuais de Educação Físicos (PAEF's) desenvolvidos para implementar as Diretrizes Curriculares e o Plano de Ensino da área, o qual deve estar vinculado tanto às Diretrizes Curriculares da Rede de Ensino, bem como ao Plano Anual da Escola, este último, instrumento de implementação do Projeto Político-Pedagógico de cada recinto escolar. Seus objetivos são:

Comunicar os problemas e dificuldades mais importantes, apresentando idéias e/ou propostas para a sua superação, de acordo com a realidade escolar.

Apresentar de forma sistematizada os princípios metodológicos de ensino, as teorias de aprendizagem utilizadas e, principalmente, as Estratégias de Ensino desenvolvidas e sistematizadas pelos professores/as em seus próprios campos de vivência docente.

Em resumo, a construção coletiva de Estratégias de Ensino e de Planos Anuais de trabalho vem tornando-se uma dinâmica de planejamento coletivo útil para ajudar a ensaiar e comparar a colocação em prática de um currículo já decidido (SACRISTÁN e GÓMES, 1998).

Criação, nas unidades escolares, de Coordenações de Área de Educação Física - (CAEF's) para organizar conjuntamente com os/as pedagogos/as, as ações de planejamento coletivo e da prática pedagógica, quando a escola contasse com mais de três professores/as de Educação Física.

Criação de espaços alternativos de trabalho e estudo para promover a sistematização das reflexões e das estratégias implementadas e avaliadas coletivamente entre os/as professores/as, vislumbrando a perspectiva objetiva de tornarem-se pesquisadores/as em ação. Nesse sentido, foi criado o Simpósio de Estratégias de Ensino em Educação/Educação Física Escolar devido, dentre outros aspectos, ao fato de que, desde 1996, apesar dos problemas encontrados no cotidiano escolar, vem sendo observado um aumento do interesse e envolvimento no campo da produção de conhecimento entre aqueles/as educadores/as que decidiram orientar seu trabalho docente para a pesquisa educacional.

Na qualidade de atividade estratégica do PCTP, o Simpósio de Estratégias de Ensino em Educação/Educação Física Escolar, foi projetado para ser implementado em cinco grandes momentos interligados entre si:

O primeiro momento do processo destina-se à orientação dos professores interessados em sistematizar, durante o ano letivo, as suas Estratégias de Ensino, seguido da transformação em trabalhos escritos para serem avaliados e apresentados no Simpósio, conforme os seguintes eixos temáticos:

Introdução à Escola e Educação Física;

Jogo, Aprendizagem Sócio-Crítica e Multiculturalismo Crítico;

Esporte, Indivíduo e Sociedade (Teoria e Prática);

Expressão Corporal, Aprendizagem Sócio-Crítica e Multiculturalismo Crítico;

Exercício, Lazer e Qualidade de Vida.

O segundo momento consta de reuniões mensais com os grupos de professores/as das instituições envolvidas no PCTP, para definir a equipe coordenadora do evento e planejar, programar e divulgar o Simpósio, local e regionalmente.

O terceiro momento corresponde à realização do Simpósio, com 2 ou 3 dias de duração, contando, após a realização das inscrições dos participantes, de uma Solenidade de Abertura, de Oficinas Pedagógicas, de apresentações das Estratégias de Ensino por parte dos professores envolvidos no PCTP/EF ou não, na forma de comunicações orais ou relatos de experiência, assim como de 3 ou 4 conferências magnas.

O quarto momento destina-se à avaliação do Simpósio, a partir das criticas e sugestões levantados pelos participantes.

No quinto momento o coletivo de professores envolvido no processo, procede à elaboração de uma Revista Especial de Educação Física, onde são apresentados, dentre outros, os artigos correspondentes às comunicações orais e aos relatos de experiência apresentadas pelos professores da ESEBA/UFU, da RME/UDI. Fazem também parte da Revista os artigos das comunicações orais apresentados por professores de outras instituições não vinculados à experiência de Uberlândia.

O sexto e último momento do processo, consiste em atualizar o "sitio" do Núcleo de Estudos em Planejamento do Ensino e da Cultura Corporal - Nepecc/UFU, com as atividades e artigos apresentados durante o simpósio (www.faefi.ufu.br/nepecc). A finalidade é divulgar as ações desenvolvidas procurando-se com isto, contribuir com o reconhecimento e a valorização da Educação Física no contexto público escolar do município de Uberlândia e região.

Como parte das suas atividades, o NEPECC/UFU está envolvido em processos de desenvolvimento de novas tecnologias para promover a formação continuada dos professores de Educação Física, assim como em processo de aprimoramento, ampliação e atualização, constante dos fundamentos filosóficos, pedagógicos e metodológicos do PCTP.
Notas:

Para maior compreensão sobre o termo utilizado, leia-se o artigo de Dermeval Saviani "A pedagogia histórico-crítica e a Educação Escolar". In: Pensando a Educação, São Paulo, UNESP, p.23-33, 1989.

Na atualidade, alguns expositores da filosofia contemporânea defendem a idéia de não utilizar mais o referencial que oferece o estudo da realidade no contexto das correntes idealistas e materialistas da história, por entender que este tipo de leitura, apresenta um caráter dicotomizado associado à lógica da racionalidade instrumental. Entretanto, consideramos que este tipo de análise, reflete, no nosso entendimento, um forte desconhecimento sobre o sentido/atribuído a estas correntes por Marx e Engels, principalmente no que diz respeito às noções de idealismo e materialismo. Noções estas que, longe de serem antagônicas ou dicotomizadas, são dialeticamente complementares. Somente para ilustrar, ao tratar do que Marx e Engels consideram o problema cardeal de toda filosofia, estes fizeram uma divisão dos filósofos entre idealistas e materialistas, a partir da idéia que Marx expôs no Posfácio da segunda edição alemã de O Capital: "Los filósofos se dividían en dos grandes campos, según la contestación que diesen a esta pregunta. Los que afirmaban el carácter primario do espíritu frente a la naturaleza, y por tanto admitían, en última instancia, una creación del mundo bajo una u otra forma (y en muchos filósofos, por ejemplo en Hegel, la génesis es bastante más embrollada e imposible que en la religión cristiana), formaba en el campo del idealismo. Los otros, los que reputaban la naturaleza como lo primario, figuran en las diversas escuelas de materialismo" (Engels, F. Ludwig Feuerbach y el fin de la filosofia clasica alemana. . Acesso em 19/11/2004).

Bracht et al (1992) representam um grupo de autores que, na área da Educação Física, são mais conhecidos como "Coletivo de Autores". Geralmente essa terminologia é a referência utilizada para o livro "Metodologia do ensino da Educação Física" (Cortez: São Paulo, 1992).

As razões são muitas e diversas. Vão desde a pressão do contexto cultural e do imaginário social da EF, que persiste e é reforçado pelos meios de comunicação de massa, até o fato de que a formação dos atuais professores de EF ocorreu em cursos de graduação cujo currículo ainda fora inspirado no referido paradigma, passando pelo fato de que as pedagogias progressistas em EF ainda estão em estágio inicial de desenvolvimento (BRACHT, 2007).

Segundo a Epistemologia, uma abordagem cientificista e historicista enfatiza e busca assegura a noção de cientificidade de determinada teoria ou prática social, tal como a Educação Física, ignorando a raiz, a gênese das suas origens. Isto é descola do seu nascedouro as concepções, teorias elaboradas, argumentações e proposições explicativas da das condições concretas da existência humana, isto é da práxis onde esta abordagem surgiu com suas respectivas contradições de classe social, gênero, raça, etnia, opções sexuais etc. Esta atitude, denominada nas ciências sociais com o nome de Reificação, ao provocar o deslocamento do sentido atribuído a determinadas práticas sociais, tais como a educação e a ciência, da esfera sócio-histórica, traz como conseqüência a apreensão de uma visão de mundo carente de reflexibilidade histórica que reduz estas a um relativismo social que implica a emissão de juízos de valor descontextualizados da realidade social complexa.

Prática pedagógica e produção do conhecimento na formação profissional na área de educação física & esporte no nordeste do Brasil: um estudo a partir da avaliação institucional na UFPE. http://www.educacaoonline.pro.br/pratica_pedagogica.asp?f_id_artigo=373. Acesso em 21/03/2007.

A questão da identidade da Educação Física é tão ampla hoje, que podem ser encontrados na literatura inúmeras denominações com os seus respectivos princípios e fundamentos, tais como: Educação Física/Ciência do Movimento Humano; Ciência da Motricidade Humana; Ciência das Atividades Corporais; Ciência do Treino Corporal; Ciências do Esporte; Educação Física como Arte da Mediação; Educação Física como uma Filosofia das Atividades Corporais; Educação Física enquanto Pedagogia dentro de um Projeto Antropológico; Educação Física enquanto Campo Acadêmico e de Vivências Sociais; Educação Física enquanto campo da Cultura Corporal cujo objeto de estudo no interior da escola é a expressão corporal como linguagem etc.

OLIVEIRA, Amauri A. B. de. Metodologias emergentes no ensino da Educação Física. Revista da Educação Física / UEM, Maringá, Brasil, v.1, n.8, p. 21-27, 1997.

Para conhecer a proposta do Nepecc/UFU, consultar o item FUNDAMENTAÇÃO no portal do Núcleo: "http://www.nepecc.faefi.ufu.br".

Rodrigues, Anegleyce Teodoro. Didática e prática de ensino no contexto da formação de Educação Física: a experiência da FEF/UFG. Anais do XIII CONBRACE (Recurso eletrônico): Caxambu, 2004 - (arquivo GTT5-co15.pdf).

Estudando a parte da Teoria do Currículo, que trata do conteúdo de ensino, é possível identificar que os temas curriculares apresentam diferentes níveis de generalidade. No sistema educativo abordam-se problemas curriculares gerais ou macrocurriculares, como dizem Tanner e Tanner (1980, p.162), referentes à estrutura de todo o currículo no seu conjunto. São os problemas que tradicionalmente foram tratados desde a filosofia da educação, da sociologia e da didática geral. Dentro dessas perspectivas globais se incluem problemas microcurriculares relacionados com cada matéria ou disciplina em particular, que é o que em nosso contexto deu conteúdo à didática especial (SACRISTÁN e GÓMES, 1998, p.123).

Nesse trabalho, também percebemos que vários/as professores/as apresentam dificuldades práticas para traduzir as suas intenções de ação ou as práticas de ensino vivenciadas na escola, na forma de objetivos escritos.

Um exemplo dessa situação foi identificado em 1994, no momento em que foi utilizado, no contexto do PCTP/Uberlândia, o livro que trata da abordagem Crítico-Superadora da Educação Física (BRACHT et al, 1992). Depois de analisar um determinado objetivo de ensino, a tendência dos/as professores/as era procurar viabilizá-lo, encaminhando-se a um capítulo encontrado no final do livro, que propõe como estruturar uma aula de Educação Física (p.87-91). Depois de analisada criticamente essa proposta, observamos que a mesma apresentava uma semelhança estrutural muito grande com a dinâmica construtivista de ensino orientada para a estimulação do "conhecimento físico" no contexto da Educação Infantil (KAMII e DEVRIES, 1985, p.63-7).

No Seqüenciador de Aula estão contidos os objetivos gerais e específicos da Estratégia de Ensino, assim como uma descrição resumida das operações que serão realizadas aula por aula.

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4 - PSICOMOTRICIDADE


ÁREAS DA PSICOMOTRICIDADE


1. Coordenação Global
A coordenação global diz respeito à atividade dos grandes músculos e depende da capacidade de equilíbrio postural do indivíduo.
Através da movimentação e da experimentação, o indivíduo procura seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando um equilíbrio cada vez melhor. Conseqüentemente, vai coordenando seus movimentos, vai se conscientizando de seu corpo e das posturas.
Quanto maior o equilíbrio, mais econômico será a atividade do sujeito e mais coordenadas serão as suas ações.
A coordenação global e a experimentação levam a criança adquirir a dissociação de movimentos. Isto significa que ela deve ter condições de realizar múltiplos movimentos ao mesmo tempo, cada membros realizando uma atividade diferente, havendo uma conservação de unidade de gesto.
Exemplo: quando uma pessoa toca piano, a mão direita executa a melodia, à esquerda o acompanhamento e o pé direito à sustentação. São três movimentos diferentes que trabalha junto para conseguir uma mesma tarefa.

2. Coordenação Fina e Óculo-Manual
Coordenação fina diz respeito à habilidade e destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global.
Só possuir uma coordenação fina não é suficiente. É necessário que haja também um controle ocular, isto é, a visão acompanhando os gestos da mão. Chamamos isto de coordenação óculo-manual ou viso-motora.
Exemplo: Escrita.
O desenvolvimento da escrita depende de diversos fatores:
Maturação geral do sistema nervoso;
Desenvolvimento psicomotor geral;
Coordenação global do ato de sentar;
Desenvolvimento da motricidade fina dos dedos da mão;
Dissociação e controle dos movimentos;
Controlar a pressão gráfica exercida sobre o lápis e o papel, para alcançar maior destreza e conseqüentemente maior velocidade no movimento.
Portanto, a escrita implica, em uma aquisição de destreza manual organizada a partir de certos movimentos, a fim de reproduzir um modelo.

3. Esquema Corporal
A criança percebe-se e percebe as coisas que a cercam em função de seu próprio corpo. Portanto, o desenvolvimento de uma criança é o resultado da interação de seu corpo com os objetos de seu meio, com as pessoas com quem convive e com o mundo onde estabelece ligações afetivas e emocionais.
O corpo deve ser entendido não somente como algo biológico e orgânico que possibilita a visão, a audição, o movimento, mas é também um lugar que permite expressar emoções.
Esquema corporal – resulta das experiências que possuímos, provenientes do corpo e das sensações que experimentamos. Não é um conceito aprendido e que depende de treinamento. Ele se organiza pela experienciação do corpo da criança. É uma construção mental que a criança realiza gradualmente, de acordo com o uso que faz de seu corpo.
Um esquema corporal organizado, portanto, permite a uma criança se sentir bem, na medida em que seu corpo lhe obedece, em que tem domínio sobre ele, em que o conhece bem, em que pode utilizá-lo para alcançar um maior poder cognitivo.
A criança deve ter o domínio do gesto e do instrumento que implica em equilíbrio entre as forças musculares, domínio de coordenação global, boa coordenação óculo-manual.
A descoberta pela criança de sua imagem no espelho, se dá por volta de seis meses de idade. Inicialmente a criança sente-se surpresa com a imagem que vê. Às vezes tenta pegar seu reflexo, sorri para ele sem reconhecer que é sua própria imagem refletida.
Um animal não consegue ultrapassar a visão de sua imagem no espelho. Já a criança ao contrário, usa o espelho como fator de conhecimento de si, raciocina, descobre seu eu, desenvolve seu esquema corporal.
Segundo Dolto, a criança cega que não tem oportunidade de se confrontar com sua imagem visual, levaria a supor que teria dificuldade em assimilar o esquema corporal. Porém para a autora, a criança cega conserva uma imagem inconsciente do corpo mais rica, mas permaneceria inconsciente mais tempo do que nas crianças que enxergam.
Etapas do esquema corporal – proposta por Le Boulch
1ª etapa: corpo vivido (até 3 anos de idade)
Corresponde à fase de inteligência sensória motora de Piaget.
O bebê sente o meio ambiente como fazendo parte dele mesma. À medida que cresce, com um maior amadurecimento de seu sistema nervoso, vai ampliando suas experiências e passa, pouco a pouco a diferenciar de seu meio ambiente. Nesse período a criança tem uma necessidade muito grande de movimentação e através desta vai enriquecendo a experiência subjetiva de seu corpo e ampliando a sua experiência motora. Suas atividades iniciais são espontâneas.
2ª Etapa: corpo percebido ou descoberto ( 3 a 7 anos)
Corresponde à organização do esquema corporal devido à maturação da "função de interiorização" que é definida como a possibilidade de deslocar sua atenção do meio ambiente para seu próprio corpo a fim de levar à tomada de consciência.
A função de interiorização permite a passagem do ajustamento espontâneo, a um ajustamento controlado que, propicia um maior domínio do corpo, culminando em uma maior dissociação dos movimentos voluntários. A criança com isso, passa a aperfeiçoar e refinar seus movimentos adquirindo uma maior coordenação dentro de um espaço e tempo determinado.
Descobre sua dominância e com ela seu eixo corporal.
O corpo passa a ser um ponto de referência para se situar e situar os objetos em seu espaço e tempo. Neste momento assimila conceitos como embaixo, acima, direita, esquerda e adquire também noções temporais como a duração dos intervalos de tempo e de ordem e sucessão, isto é, primeiro e ultimo.
No final dessa fase, a criança pode ser caracterizada como pré-operatória, porque está submetida à percepção num espaço em parte representado, mas ainda centralizado sobre o próprio corpo.
3ª Etapa: corpo representado (7 a 12 anos)
Nesta etapa observa-se a estruturação do esquema corporal.
No início desta fase a representação mental da imagem do corpo consiste numa simples imagem reprodutora e é uma imagem de corpo estática. A criança só dispõe de uma imagem mental do corpo em movimento a partir de 10/12 anos, significando que atingiu uma representação mental de uma sucessão motora, com a introdução do fator temporal.
Sua imagem do corpo passa a ser antecipatória, e não mais somente reprodutora revelando um verdadeiro trabalho mental devido à evolução das funções cognitivas correspondentes ao estágio preconizado por Piaget de operações concretas.
Os pontos de referência não estão mais centrados no corpo próprio, mas são exteriores ao sujeito, podendo ele mesmo criar os pontos de referência que irão orientá-lo.
Perturbações do esquema corporal
Crianças que não tem consciência de seu próprio corpo podem experimentar algumas dificuldades como insuficiência de percepção ou de controle de seu corpo, incapacidade de controle respiratório, dificuldades de equilíbrio e de coordenação.
Elas podem também, apresentar dificuldades em se locomover em um espaço predeterminado e em situar-se em um tempo, pois o esquema corporal está intimamente ligado à orientação espaço-temporal.
Uma criança com grandes problemas de esquema corporal manifesta normalmente dificuldade de coordenação dos movimentos, apresentando certa lentidão que dificulta a realização de gestos harmoniosos simples, como abotoar uma roupa.
A criança se confunde em relação às diversas coordenadas de espaço, como em cima, embaixo, ao lado, linhas horizontais e verticais, e também não adquire o sentido de direção devido a confusões entre direita e esquerda.
Uma perturbação de esquema corporal pode levar a uma impossibilidade de se adquirirem os esquemas dinâmicos que correspondem ao hábito visomotor e também intervém na leitura e escrita.
Uma conseqüência séria da falta de esquema corporal é o não desenvolvimento dos instrumentos adequados para um bom relacionamento com as pessoas e como seu meio ambiente, e pior ainda, leva a um mau desenvolvimento da linguagem.
4. Lateralidade
A lateralidade é a propensão que o ser humano possui de utilizar preferencialmente mais um lado do corpo que o outro em três níveis: mão, olho e pé. Isto significa que existe um predomínio motor, ou melhor, uma dominância de um dos lados.
O lado dominante apresenta maior força muscular, mais precisão e mais rapidez. É ele que inicia e executa a ação principal. O outro lado auxilia esta ação e é igualmente importante. Na realidade os dois não funcionam isoladamente, mas de forma complementar.
Exemplo: quando pregamos um prego em uma parede, a mão auxiliar segura o prego enquanto a outra, com precisão e força muscular suficiente, bate o martelo.
A dominância ocular pode ser percebida quando pedimos para a criança que olhe por um caleidoscópio ou um buraco de fechadura. É preciso tomar muito cuidado ao afirmar qual é a dominância ocular, pois, às vezes, um problema na vista pode mascarar essa percepção.
Podemos observar a dominância dos membros inferiores quando pedimos à criança que brinque de amarelinha com um pé e depois com o outro. Verificamos então, qual o lado que teve mais facilidade, isto é, qual apresentou mais precisão, mais força, mais rapidez e também mais equilíbrio.
Se uma pessoa tiver a mesma dominância nos três níveis – mão, olho e pé – do lado direito, diremos que é destra homogênea, e canhota ou sinistra homogênea, se for o lado esquerdo.
Se a criança possuir dominância espontânea nos dois lados do corpo, isto é, executar os mesmo movimentos tanto um lado como com o outro, o que não é muito comum, é chamada de ambidestra.
Podem ocorrer, alguns casos em que a criança contrarie essa tendência natural e passe a utilizar a mão não-dominante em detrimento da dominante. Diremos que tem lateralidade cruzada, quando usa a mão direita, o olho e o pé esquerdo ou qualquer outra combinação.
Motivos que ocasionam um desvio da lateralidade:
Um acidente que provoque uma amputação ou uma paralisia no lado dominante faz com que a pessoa possa a usar o outro lado.
Podem ocorrer, casos em que esta mudança de prevalência manual modifique-se por motivo de identificação com alguém ou por imposição dos pais ou professores ou por motivo afetivo ou por qualquer outro.
Hipóteses sobre a prevalência manual
Visão histórica
Havia um igual número de destros e canhotos na idade da pedra. A supremacia da destralidade aponta que, na idade do bronze, os camponeses tiveram que se adaptar a ferramentas que não era mais feita por eles, mas por pessoas específicas. Outra teoria aponta para as técnicas guerreiras pelas quais se ensinavam os homens a pegar a espada ou a lança com a mão direita enquanto a esquerda protegia o coração com o escudo.
Hereditariedade
Esta teoria tenta explicar a referência lateral pela transmissão hereditária.
Hipótese da dominância cerebral
Existe uma dominância em um dos lados do cérebro, e que funciona de forma cruzada. Isto quer dizer que, no destro, encontramos uma dominância do córtex cerebral esquerdo; e no canhoto, o hemisfério cerebral direito controla e coordena as atividades do lado esquerdo.
Influência do meio psico-social-afetivo e educacional
A preferência por uma determinada lateralidade se dá através do aprendizado. Aprendemos a escrever com a mão direita ou esquerda, de acordo com o nosso meio, seja por imposição, por imitação, por questão afetiva, etc.
Alguns autores acreditam que nenhumas dessas teorias sozinhas são suficientes para explicar o fenômeno da lateralização. Ela é o resultado da associação de diversos fatores.
5. Estruturação Espacial
A estruturação espacial é essencial para que vivamos em sociedade. É através do espaço e das relações espaciais que nos situamos no meio em que vivemos, em que estabelecemos relações entre as coisas, em que fazemos observações, comparando-as, combinando-as, vendo as semelhanças e diferenças entre elas.
As relações espaciais são mantidas por meio do desenvolvimento de uma estrutura de espaço. Sem esta estruturação, nós nos perdemos ou distorcemos muitas dessas relações e nosso comportamento sofre por receber informações inadequadas.
Em primeiro lugar, a criança percebe a posição de seu corpo no espaço. Depois, a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a perceber as relações das posições dos objetivos entre si.
Todas as percepções sensoriais (visão, audição, tato) nos levam às propriedades dos diversas objetos e nos permitiriam uma catalogação, uma classificação, um agrupamento deste no sentido de uma maior organização do espaço.

DEFINIÇÃO DE ESTRUTURAÇÃO ESPACIAL
A tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em um meio ambiente, isto é, do lugar e da orientação que pode ter em relação às pessoas e coisas;
A tomada de consciência da situação das coisas entre si;
A possibilidade, para o sujeito, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentá-las.

DESENVOLVIMENTO DA ESTRUTURAÇÃO ESPACIAL

A estruturação espacial não nasce com o indivíduo. Ela é uma elaboração e uma construção mental que se opera através de seus movimentos em relação aos objetos que estão em seu meio.
Os mundos interno e externo são indistintos para o recém nascido.
Aos três meses, sua imagem de corpo começa a se elaborar.
Entre o sexto e nono mês, se percebe uma primeira separação entre seu corpo e o meio ambiente.
Aos três anos, a criança já tem uma vivência corporal.
A exploração do espaço inicia-se, desde o momento em que ela fixa o olhar em um determinado objeto e tenta agarrá-lo. Depois a locomoção permite-lhe dirigir-se aos locais ou aos objetos que quer alcançar.
A verbalização que auxiliará na designação dos objetos constitui um fator muito importante para a organização da vivência do espaço e, também, para um melhor conhecimento das diferentes partes do corpo e de suas posições. Todo objeto, desde o momento em que ele é nomeado, faz o papel de organizador do espaço próximo circundante, permitindo construir o espaço que o rodeia.
Para que uma criança perceba a posição dos objetos no espaço, precisa, primeiramente, ter uma boa imagem corporal, pois usa seu corpo como ponto de referência. Ela só se organiza quando possui um domínio de seu corpo no espaço. Isto significa que ela apreende o espaço através de sua movimentação e é a partir de si mesma que ela se situa em relação ao mundo circundante. Numa verdadeira exploração motora inicial, ela necessita pegar os objetos, manuseá-los, jogá-los, agarrá-los, lançá-los para frente, para trás, para dentro e fora de determinado lugar.
Para a criança assimilar os conceitos espaciais precisa, também, ter uma lateralidade bem definida, o que se dá por volta de 6 anos. Ela torna-se capaz de diferenciar os dois lados de seu eixo corporal e consegue verbalizar este conhecimento, sem o que fica difícil distinguir a diferentes posições que os objetos ocupam no espaço.
A criança aprende também as noções de:
Situações (dentro, fora, no alto, abaixo, longe, perto);
Tamanho (grosso, fino, grande, médio, pequeno, estreito, largo);
Posição (em pé, deitado, sentado, ajoelhado, agachado, inclinado);
Movimento (levantar, abaixar, empurrar, puxar, dobrar, estender, girar, rolar, cair, levantar-se, subir, descer);
Formas (círculo, quadrado, triângulo, retângulo);
Qualidade (cheio, vazio, pouco, muito, inteiro, metade);
Superfícies;
Volumes.
Ao aprender estes conceitos, diremos que ela atingiu a etapa da orientação espacial. Isto significa que a criança tem acesso a um "espaço orientado a partir de seu próprio corpo multiplicando suas possibilidades de ações eficazes".
Os pontos de referência do tipo alto/baixo são absolutos, pois acima sempre se subentende o teto e, embaixo o solo. Os conceitos direita/esquerda e adiantes/atrás dependem, para muitas crianças, da posição de seu próprio corpo no espaço. Uma pessoa que já possua uma orientação espacial bem definida a dará mesma as coordenadas para que saibamos quais são seus pontos de referências.
Normalmente, temos consciência dos objetos que se situam em nosso espaço, tanto os que estão do nosso lado, quanto os que estão longe, a nossa frente e também os que se situam atrás de nós. Não podemos vê-los, mas sabemos que existem, que existe uma "estruturação espacial" atrás de nós, e mantemos, portanto, uma relação bem viva com todos eles.
A criança pequena e a retardada apresentam dificuldade em perceber este espaço existente atrás delas. Quando elas se voltam, os objetos e as situações localizadas atrás de si deixam de existir para elas.
Um indivíduo que possui orientação espacial no papel mentalmente organiza sua folha ao escrever ou ao desenhar, antes de passar para estas atividades.
Depois desta fase em que o indivíduo aprende a orientar os objetos, ele passa a organizá-los, a combinar as diversas orientações. Isto significa que ele não mais toma seu próprio corpo como ponto de referência, mas escolhe ele mesmo outros pontos, e os colocará segundo diversas orientações.
Ele chega, então, às noções de distância, de direção; passa a prever, antecipar e transpor. Depois que as diferentes direções são conquistadas pelo indivíduo, a transposição sobre o outro e sobre os objetos é possível.
Ele desenvolve também a memória espacial, o que lhe possibilita descobrir os objetos que estão faltando em determinado lugar e reproduzir um desenho previamente observado. Além disso, se ele tiver uma memória espacial desenvolvida, não "se esquecerá" dos símbolos gráficos e nem das direções a seguir.
A partir desta organização espacial a criança chega a compreensão das relações espaciais. Estas relações espaciais são obtidas graças a uma estrutura de espaço, sem a qual não conseguiríamos manter relações ao nosso redor. Esta etapa das relações espaciais baseia-se unicamente no raciocínio a partir de situações bem precisas, como perceber a relação existente entre diversos elementos, a relação de simetria, oposição, inversão. Torna-se capaz de trabalhar com as progressões de tamanho, de quantidade e transposição. Para Piaget, esta organização aparece com 8 ou 9 anos, época em que ela é capaz de situar direita e esquerda sobre os objetos em relação a um ponto de vista exterior.

DIFICULDADES NA ESTRUTURAÇÃO ESPACIAL

São diversos os motivos que impedem ou retardam o pleno desenvolvimento da criança, como por exemplo:
Limitação de seu desenvolvimento mental e psicomotor;
Crianças tolhidas em suas experiências corporais e espaciais e que não têm oportunidades de manipular os objetos ao seu redor;
As que não desenvolveram a noção de esquema corporal, acarretando prejuízo na função de interiorização;
As que não conseguiram ainda estabelecer a dominância lateral e nem assimilaram as noções de direita e esquerda através da internalização de seu eixo corporal;
Insuficiência ou déficit da função simbólica. A criança é incapaz de associar termos abstratos como direita e esquerda, puramente convencionais, ao que sente ao nível proprioceptivo;
Dificuldade de representação mental das diversas noções.
OBS: as causas não se esgotam nestas.
As conseqüências são às vezes desastrosas nas aprendizagens escolares.
Muitas crianças não conseguem assimilar os termos espaciais e confundem-se quando se exige uma noção de lugar, de orientação, tanto no recreio, quanto nas salas de aulas.
Às vezes, conhecem os termos espaciais, mas não percebem as posições. Muitas têm dificuldades em perceber as diversas posições, colocando em risco sua própria aprendizagem, pois não discriminam as direções das letras. Ex: "n" e "u", "ou" e "on", "b" e "p", "6" e "9", "b" e "d", "p" e "q", "15" e "51".
Crianças que, embora percebam o espaço que as circundam, não têm memória espacial. Algumas esquecem, ou confundem os significados dos símbolos representados pelas letras gráficas.
A falta de organização espacial é um fator muito encontrado, inclusive nos adultos. Significa que o indivíduo está constantemente se chocando e esbarrando nos objetos.
Apresenta muitas vezes indecisões quando tem que se desviar de um obstáculo, não sabendo para que lado deve ir.
Além disso, não consegue ordenar e organizar seus objetos pessoais dentro de um armário ou uma gaveta.
Não consegue prever a trajetória de uma bola ou de um objeto qualquer quando este é atirado em determinado alvo.
Pode possuir falta de orientação espacial no papel.
Na escrita não respeita a direção horizontal do traçado, ocorrendo movimentos descendentes ou ascendentes e não consegue escrever em cima da pauta.
Na leitura e na escrita, tem dificuldades em respeitar a ordem e a sucessão das letras nas palavras e das palavras nas frases.
Possui incapacidade em locomover os olhos durante a leitura obedecendo ao sentido esquerda-direita e chegando mesmo a saltar uma ou mais linhas.
Na matemática, poderá apresentar dificuldades em organizar seus números em fileiras e acaba misturando o que é dezena, centena e milhar.
Terá dificuldade em classificar e agrupar os elementos.
Dificuldade em reversibilidade e transposição (conseguida a partir de 8 anos). A noção de reversibilidade possibilita, pouco a pouco, às crianças a compreensão de igualdades como: 8 + 5 = 3 + 10 7 X 3 = 3 X 7 10 - 3 = 7
Dificuldade para compreender relações espaciais.
A criança não percebe o que muda de uma figura para outra nas representações espaciais.
Não percebe as relações como a simetria, inversão, transposição, elementos adicionados ou subtraídos.
Não consegue realizar desde progressões mais simples como tamanho, quantidade, ritmos e cores, como progressões mais complexas, como a variação de dois ou mais elementos numa ordem de sucessão e simultaneidade, ou mesmo compreensão das relações existente entre as diversas orientações junta.
OBS: A criança deve adquirir a orientação espacial, quando age e interage com o meio. Intimamente ligada a ela está a orientação temporal. Uma pessoa só se movimenta em um espaço e tempo determinados. Não se pode conceber um sem falar no outro.
6. Estruturação Temporal
As noções de corpo, espaço e tempo têm que estar intimamente ligadas se quisermos entender o movimento humano. O corpo coordena-se, movimenta-se continuamente dentro de um espaço determinado, em função do tempo, em relação a um sistema de referência. É por esta razão que sempre nos referimos à orientação espaço-temporal de forma integrada.
Existem dois tipos de tempo: estático e dinâmico.
Quando um autor de um romance histórico, fixa como presente uma seqüência de eventos em um determinado tempo na história, está trabalhando com o tempo estático. Todos os acontecimentos terão relação de precedência e subseqüência com este presente estático e é este final do tempo histórico relatado por ele.
Nós vivemos no tempo dinâmico, onde o fluxo do tempo perpassa pelas noções de passado, presente e futuro. Este fluxo do tempo significa que os acontecimentos do passado são conhecidos, os dos futuro, desconhecidos ou então podem ser previstos, e os do presente podem ser experimentados diretamente. Esse fluxo é contínuo no qual os acontecimentos do futuro passam pelo presente e se torna passado. Possuímos e vivenciamos um horizonte temporal.
IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURAÇÃO TEMPORAL
Para uma criança aprender a ler, é necessária que possua domínio do ritmo, uma sucessão de sons no tempo, uma memorização auditiva, uma diferenciação de sons, um reconhecimento das freqüências e das durações dos nos das palavras.
Pode-se perceber uma grande ligação entre a orientação temporal e a linguagem. A aquisição da palavra supõe uma passagem no tempo, uma vez que a linguagem é uma sucessão de fonemas no tempo; supõe também uma melodia das palavras e das frases, uma variação em freqüência e em intensidade e enfim uma organização dos elementos percebidos.
Um indivíduo deve ter capacidade para lidar com conceitos de ontem, hoje e amanhã. Uma criança pequena não consegue extrapolar suas ações para o passado ou o futuro. O seu presente é o que está vivenciando. Os acontecimentos passados normalmente se encontram enevoados e entrelaçados com as noções de presente. Ela não percebe as seqüências dos acontecimentos.
É a orientação temporal que lhe garantirá uma experiência de localização dos acontecimentos passados, e uma capacidade de projetar-se para o futuro, fazendo planos e decidindo sobre sua vida.
A dimensão temporal não só deve auxiliar na localização de um acontecimento no tempo, como também proporcionar a preservação das relações entre os fatos no tempo.
A palavra tempo é empregada para indicar os momentos de mudança. O homem se insere no tempo. Ele nasce, cresce e morre e sua atividade é uma seqüência de mudanças. O seu organismo vive em função de um certo "relógio interno", condicionado pelas suas atividades diárias. Normalmente dormimos à noite e de dia trabalhamos. Isto significa que, quando chega a noite, temos uma necessidade enorme de nos recolhermos. A hora de dormir é tão determinada pela quantidade de sono como pelo hábito.
Nunca vemos nem percebemos o tempo como tal, uma vez que, contrário ao espaço ou à velocidade, ele não é evidente. Percebemos somente os acontecimentos, ou seja, os movimentos e as ações, suas velocidades e seus resultados.

ETAPAS DA ESTRUTURAÇÃO TEMPORAL

A estruturação temporal tem que ser construída e exige um esforço, um trabalho mental da criança que ela só conseguirá realizar quando tiver um desenvolvimento cognitivo mais avançado.
De início a criança vivência seu corpo, tentando conseguir harmonia em seus movimentos. Mas este corpo não existe isolado no espaço e tempo e a criança vai, pouco a pouco, captando essas noções. Este etapa é caracterizada pela aquisição dos elementos básicos. Seus gestos e seus movimentos vão se ajustando ao tempo e aos espaços exteriores.
Depois desta fase, vai assimilando também os conceitos que lhe permitirão se se movimentar livremente neste espaço-tempo. Assimilará noções de velocidade e de duração próprias a seu dia-a-dia.
Numa etapa posterior, ele passa a tomar consciência das relações no tempo, irão trabalhar as noções e relações de ordem, sucessão, duração e alternância entre objetos e ações. Irá perceber as noções dos momentos do tempo, por exemplo, o instante, o momento exato, a simultaneidade e a sucessão.
A partir dessa fase, ela começa a organizar e coordenar as relações temporais. Pela representação mental dos movimentos do tempo e suas relações, ela atinge uma maior orientação temporal e adquire a capacidade de trabalhar ao nível simbólico. Ela terá, então maiores condições de realizar as associações e transposições necessárias aos ensinamentos escolares, principalmente em relação à leitura, à escrita e à matemática.

PRINCIPAIS CONCEITOS QUE AS CRIANÇAS DEVEM ADQUIRIR SÃO:

Simultaneidade – é vivenciada inicialmente através do movimento, de forma motora. São movimentos que, para serem realizados, têm que aparecer. Por exemplo, um bebê que move seus braços e pernas ao mesmo tempo. Depois, passa a se movimentar mais ou menos de forma alternada e em seguida, seqüenciada. É exatamente ao relacionar seus movimentos juntos e seqüenciados, um após o outro, que uma criança desenvolve o conceito de simultaneidade. A simultaneidade requer, para sua realização, que a pessoa possua uma boa coordenação (salvo o bebê).
Ordem e seqüência – seqüência é denominada como a disposição dosa acontecimentos em uma escala temporal, de modo que as relações de tempo e a ordem dos acontecimentos evidenciam-se.
As nossas atividades cotidianas requerem uma sucessão de movimentos. Para uma criança conseguir colocar em ordem cronológica suas ações do dia-a-dia precisa ter noção de antes e depois, da ordem em que seus gestos podem ser realizados (como por exemplo, colocar um sapato).
Uma criança pequena tem condições de perceber a orem e a seqüência de acontecimentos, mas só aos 5 anos adquire a noção de seqüência lógica.
Uma pessoa precisa, pois, adquirir a noção de escala temporal para assimilar as noções de seqüência.
Duração dos intervalos - os fenômenos que acontecem no tempo apresentam uma certa duração – tempo curto e tempo longo – e envolvem as noções de hora, minuto e segundo, isto é, o tempo.
Uma criança vive o tempo subjetivo. Isto significa que o tempo é determinado pela sua própria impressão e emotividade. Uma atividade que lhe dá prazer terá um tempo menor e passará mais rapidamente (pois ela não verá o tempo passar), do que uma que lhe seja desagradável (que transcorrerá lentamente e terá um caráter interminável).
Os adultos, também vivem este tempo subjetivo quando assistimos a uma palestra monótona e sem sentido para nós, ou quando estamos em uma reunião agradável. Entretanto, não perdemos de vista o outro tempo, o tempo matemático, sempre idêntico representado pelo tempo objetivo. Este tempo é fundamental para uma maior organização do mundo em que vivemos.
Renovação cíclica de certos períodos – é a percepção de que o tempo é determinado por dias (manhã, tarde e noite), semanas e estações.
Ritmo – é um dos conceitos mais importantes da orientação temporal. O ritmo está ligado também ao espaço e a combinação dos dois dá origem ao movimento. O ritmo não é o movimento, mas o movimento é meio de expressão do ritmo.
Toda criança tem um ritmo natural, espontâneo. Seu grito e suas manifestações são ritmados. Tem horas de repouso e horas de impulsos e se manifesta através delas.
A vida moderna impede-nos de aflorar o nosso ritmo natural. Estamos constantemente sendo cobrados através do relógio, do tempo, a realizar tarefas em determinados prazos. Mesmo assim, muito de nosso ritmo natural se conserva conosco. Cada um tem um ritmo de trabalho, uns são mais rápidos do que outros.
Temos um relógio corporal do qual normalmente não tomamos conhecimento. As células e as substâncias químicas de nosso organismo trabalham com precisão, dentro de um determinado ritmo.
Possuímos um ritmo endógeno, automantido pelo organismo e que é influenciado pelo ritmo exógeno, ou estímulo externo.
Existem três tipos de ritmos: motor, auditivo e visual.
O ritmo motor está ligado ao movimento do organismo que e realiza em um intervalo de tempo constante. Andar, nadar, correr são exemplos de ritmos motores.
O ritmo auditivo normalmente é trabalhado em associação com algum movimento. Muitas crianças não percebem os ritmos auditivos a não ser que estejam realmente unidos ao componente motor.
O ritmo visual envolve a exploração sistemática de um ambiente visual muito amplo para ser incluído no campo visual em uma só fixação. Por exemplo, muitas vezes, os olhos de uma criança, não lêem cm ritmo constante, isto é, uma palavra atrás da outra. Na escrita, também verificamos o ritmo quando a criança respeita os espaços entre as palavras e quando consegue ordenar as letras dentro das palavras e as palavras na frase. Uma letra deve suceder a outra. A pontuação e a entonação que acompanham uma leitura e uma escrita são conseqüências das nossas habilidades rítmicas.
O ritmo envolve, a noção de ordem, de sucessão, de duração e de alternância.
O ritmo permite uma maior flexibilidade de movimentos, um maior poder de atenção e concentração, na medida que obriga a criança a seguir uma cadência determinada. Um outro fator fundamental é a aquisição de automatismo elementares. A percepção de alternância de tempos fortes e fracos leva à percepção do relaxamento e das pausas. Além disso, habitua o corpo a responder prontamente às situações imprevistas.
A atividade psicomotora não tem por objetivo fazer a criança adquirir os ritmos, senão favorecer a expressão de sua motricidade natural, cuja característica essencial é a psicomotricidade.

DIFICULDADES EM ESTRUTURAÇÃO TEMPORAL

Uma criança com problemas de orientação temporal pode não perceber os intervalos de tempo, isto é, não perceber os espaços existentes entre as palavras. Não percebe também o que vai mais depressa e mais devagar. Normalmente esta criança escreve as palavras de forma ininterrupta, sem espaço entre elas, além de misturar os fatos.
A criança pode apresentar confusão na ordenação e sucessão dos elementos de uma sílaba, isto é, não percebe o que é primeiro e o que é último, não se situa antes e depois.
A criança não se organiza, também, na direção esquerda-direita.
Pode haver problema na falta de padrão rítmica constante. A falta de ritmo motor ocasiona uma falta de coordenação na realização dos movimentos.
Uma criança que tenha falta de padrão rítmico visual, ao ler algum trecho, seus olhos "grudam" em um canto da página e não se movem visualmente nem para frente, nem para trás, tornando a leitura pobre e comprometida.
Dificuldade na organização do tempo. A criança não prevê suas atividades. Demora muito em uma tarefa e não consegue terminar as outras por falta de tempo. Muitas vezes não tem noções de horas e minutos.
Uma organização espaço-temporal inadequada pode provocar também um fracasso em matemática, pois os alunos precisam ter noção de fileira e coluna para organizar os elementos de uma soma:
250 ao invés de 250
- 22 - 22
Eles podem apresentar, também, má utilização dos termos verbais. A criança deve saber distinguir: "ontem eu fui ao cinema" de "amanhã irei ao teatro".
Dificuldades em representação sonora. As crianças se esquecem da correspondência dos nos com as respectivas letras que os representam, especialmente quando se trata de realizar ditados.
Quando a criança desenvolveu as estruturas espaciais, mas não tem ainda as temporais, torna-se uma "repetidora de palavras". Isto evidencia que reconhece as relações espaciais existentes na página, identifica as palavras, mas não consegue integrá-las no tempo; elas ficam separadas e, portanto, a criança não percebe o sentido. Acaba, conseqüentemente, compreendendo muito mal o conteúdo. Sua escrita também fica comprometida, pois esta envolve uma seqüência de acontecimentos no tempo. A criança apresenta, então, inversões, omissões e adições.
Quando a criança é organizada no tempo, mas não no espaço, torna-se uma leitora pobre, demora muito tempo para ler e, portanto, fica muito dependente do contexto. Muitas vezes substitui sinônimos que preservam o contexto, mas não reproduzem o que está na página. Ela odeia ler, mas assimila um vasto número de informações auditivas, as quais pode manipular com grande facilidade. Seqüências complexas não lhe causam problema, mas exibições visuais simples frustram-na.

7. Discriminação Visual

Um aparelho visual e auditivo íntegro é um pré-requisito muito importante para a aprendizagem da leitura e da escrita. Mas isso não é suficiente.
Quando uma criança nasce, seus neurônios ligados à retina estão ainda muito imaturos. Ela só reage à luz muito forte, não percebe as nuanças luminosas. As informações visuais que seus receptores externos levam ao córtex cerebral são geralmente distorcidas.
Com o amadurecimento do sistema nervoso, seu aparelho visual vai também amadurecendo e a criança vai conseguindo distinguir os objetos e pessoas de seu meio de maneira satisfatória. Ela consegue isto através da associação com outros dados receptores.
Mas só isto não é suficiente. A criança precisa também aprender a controlar o movimento de seus olhos. Ela precisa ser capaz de dirigi-los para um determinado ponto, precisa direcioná-los intencionalmente para algum lugar. Para isto precisa ter um controle rigoroso e preciso dos músculos extra-oculares.
Kephart afirma que o problema é aprender a controlar um mecanismo que está trabalhando com perfeição. Isto significa que, mesmo com uma estrutura muscular do olho perfeita, é necessário construir um padrão de impulsos neurológicos que a capacitará a controlar este mecanismo com precisão, que a auxiliará a desenvolver uma maior percepção visual.
A acuidade visual é a capacidade de ver e diferenciar objetos apresentados no seu campo visual com significado e precisão. O que a pessoa vê é o resultado de um processo psicofísico que integra forças gravitacionais, ideação conceitual, orientação perceptivo-espacial e funções de linguagem.
Um exercício que é aplicado em crianças e pedir para elas procurarem palavras nos caça-palavras. Esse exercício tem como objetivo, proporcionar um maior controle ocular, estimular a atenção e concentração e, compreender os objetos apresentados em seu campo visual.
Outra habilidade que a criança precisa desenvolver é a retenção dos símbolos visuais apresentados, tais como letras, palavras, sinais de transito; isto é, desenvolver a memória visual. É também pela memória visual, que uma criança consegue discernir letras que possuem o mesmo som, como por exemplo, as que pode ser representado por ssa como por ça. A palavra a ser escrita deve estar retida em nossa memória visual.
A partir do momento em que a criança tem condições de discriminar as diversas letras, integrar os símbolos, desenvolver a memória visual, ela atinge a etapa de organização visual. O aspecto perceptivo-lingüístico, chave da organização visual, é a integração significativa do material simbólico com outros dados sensoriais.
Uma criança que possua discriminação visual pobre pode apresentar uma maior incidência na confusão de letras simétricas como, por exemplo, na forma das letras d e b, n e u, p e q.
Outro tipo de troca pode ser registrado quanto às letras que diferem em pequenos detalhes: o e e, f e t, c e e, h e b, a e o. algumas palavras podem ser sujeitas a confusões, por exemplo, preto em vez de prato. Essa confusão se dá porque a criança não percebe os detalhes internos das palavras.
Outro problema registrado decorrente de uma discriminação visual pobre é a movimentação dos olhos de forma desordenada, pois as crianças não conseguem mantê-los na mesma direção quando lêem. Acabam lendo várias vezes as mesmas linhas sem perceber, ou pulam frases inteiras, numa verdadeira falta de controle ocular.

8. Discriminação Auditiva

A discriminação auditiva é passível de aprendizagem.

Esta capacidade de responder aos estímulos auditivos é o resultado de uma integração das experiências com a organização neurológica.
Os nossos receptores auditivos têm que ser capazes de mandar as estimulações sonoras para o cérebro que processará, selecionará e armazenará as informações na memória. Se estas informações forem distorcidas, o cérebro também processará informações distorcidas.
A discriminação auditiva está muito ligada à atividade motora, mais precisamente com a escrita e particularmente o ditado.
Uma perfeita discriminação auditiva pressupõe uma acuidade auditiva íntegra, mas uma acuidade íntegra não implica na perfeita discriminação auditiva.
Discriminação auditiva significa a capacidade de sintetizar os sons básicos da linguagem, a habilidade de perceber a diferença existente entre dois ou mais estímulos sonoros.
Acuidade auditiva seria a capacidade do indivíduo de captar e notar a diferença entre vários sons e entre intensidades diferentes. Capacidade de captar e diferenciar sons e a intensidade e a altura que lhes correspondem.
A leitura exige a associação do som percebido a uma grafia. É necessário que para isto eles tenham verdadeiramente uma boa discriminação auditiva, além de uma capacidade de simbolização, decodificação e memorização. Quando as crianças decodificam, estão dando um significado a muitos sons que ouviram.
A memória auditiva é também muito importante, pois favorece a retenção e recordação das palavras captadas auditivamente. Muitas crianças têm dificuldades de discriminação porque se esquecem do som que as letras representam.
As principais letras que são passíveis de serem confundidas pelo som pela criança que não tenha uma discriminação auditiva satisfatória. Trocas de:
F por V; B ou J (foi por voi, ou joi)
P por B (ponte por bonte)
CH por J, ou V (chapa por japa)
D por B, ou T (dado por bado ou tado)
T por D (tatu por dadu)
S por Z (sonho por zonho)
C por G (cartaz por gartaz)
Algumas vogais nasais (exemplo: na, en, in, on, un) também são confundidas pelas orais correspondentes (a, e, i, o, u); exemplos: então (etão); inverno (iverno).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: Educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. Petrópolis: Vozes, 2002. (Cap.2. Desenvolvimento da psicomotricidade. p. 41-103).
POR ROGERIO ALVES GODOY